Orlando Ribeiro (1911-1997)
Orlando Ribeiro, essencialmente
dedicado ao ensino e investigação em Geografia, é considerado o renovador desta
ciência no Portugal do século XX, e o geógrafo português com mais ampla
projecção a nível internacional.
Licenciado em
Geografia e História em 1932, doutorou-se em Geografia pela Universidade de
Lisboa em 1936, com a tese A Arrábida, esboço geográfico.
Em 1937 segue
para Paris como Leitor de Português na Sorbonne, onde viria a alargar
horizontes com mestres como Marc Bloch, E. de Martonne e A. Demangeon.
De regresso a
Portugal em 1940, foi sucessivamente nomeado Professor em Coimbra, e em Lisboa,
onde, em 1943, fundou o Centro de Estudos Geográficos.
Da sua intensa actividade destaca-se, desde
1945, uma das suas obras de síntese mais conhecidas, Portugal, o
Mediterrâneo e o Atlântico, e a criação, em 1966, da revista Finisterra.
São talvez as
viagens, e os trabalhos delas resultantes, o melhor testemunho da sua
actividade como geógrafo, as quais revelam as suas preocupações sociais com os
territórios e povos estudados, e nos transportam à sua sensibilidade como
fotógrafo.
Viajante
incansável, sobretudo em Portugal e Espanha na década de 40, e pelo Mundo fora
entre 1950-1965, com destaque para o ultramar português, Orlando Ribeiro
oferece-nos leituras de muitos lugares do Mundo em que a observação científica
não se desliga da natureza como um todo, dos costumes, da arte e, sobretudo, do
elemento humano.
Foi casado com a
também geógrafa Suzanne Daveau.
Goa em 1956
Relatório ao
Governo *
O LUSO-TROPICALISMO COMO IDEOLOGIA LEGITIMADORA
Goa, ou o
princípio do fim
Prefácio de
Fernando Rosas
“A década de 50,
em cujos meados decorre a visita de Orlando Ribeiro à Índia e a produção do
Relatório que agora se publica, é marcada. no que diz respeito à política colonial
do Estadão Novo, por um conjunto de tentativas de resposta aos ventos da
descolonização do pós-guerra, ainda que o quadro de um continuismo essencial: a
defesa ideológica, política e militar da integridade do «império», agora
reconvertido em «Ultramar Português».
(…) Curiosamente,
é numa conferência proferida em Goa, no Instituto Vasco da Gama, em Novembro de
1951 – no decurso de uma viagem de «estudo e pesquisa» paga pelo governo de
Lisboa -, que Gilberto Freyre vai utilizar, pela primeira vez, a expressão
«luso-tropicalismo». Com uma «enganosa legitimidade científica», é sobretudo
como ideologia legitimadora, como «crença» acerca da originalidade da
colonização portuguesa que o «luso-tropicalismo vai ser largamente partilhado
nos meios culturais e políticos portugueses, designadamente influenciando
antropólogos como Jorge Dias, agrónomos como Henrique Barros, universitários
como Adriano Moreira ou geógrafos como Orlando Ribeiro, o que aliás,
explicitamente transparece no Relatório agora dado à estampa.
(…) Quando
Orlando Ribeiro visita a Índia sob administração portuguesa, de Outubro de 1955 a Fevereiro de 1956, e
escreve o relatório sobre as suas impressões politicas da viagem a Salazar,
neste ano, «a questão de Goa»
entrara, já há algum tempo, num nítido processo de agravamento.
(…) É claro que
este discurso propagandístico de essência «luso-tropical» - curiosamente
desmentido pelo próprio Relatório de Orlando Ribeiro que agora se publica – era
apoiado por uma estratégia de resistência desde cedo delineada por Salazar(…).
(…) E o facto é
que o rigor e a objectividade da investigação conduzida pela missão chefiada
pelo geógrafo, o detalhe, a profundidade, a variedade de sítios, situações e
pessoas persistentemente inquiridos «em menos de cinco meses de trabalho
intenso» e nem sempre fácil, conduziram, antes mesmo da elaboração da
monografia sobre o «Estado da Índia» - que nunca chegaria a ser publicada
enquanto tal – ao Relatório que agora se dá a
conhecer. No sentido em que o rigor das conclusões do estudo se impôs,
na consciência do cientista, ao que a visão ideológica do «império» que então
perfilhava gostaria e encontrar. Sentindo necessidade, por isso mesmo, e face à
«grande decepção» que fora, para si, «a Goa portuguesa» (ainda que, como
assinala, parcialmente temperada pelas realidades do «núcleo tão português,
embora tão restrito, de Damão»), de «apresentar ao Governo», directamente ao
Presidente de Conselho, um «feixe de observações e reflexões» que ajudassem a
dar «um conhecimento exacto dos problemas» e a deles tirar «certas directrizes
de acção». «Homem de estudo», como se autodefine, «completamente afastado da
acção política», impõe-se-lhe apresentar a realidade que observara «com inteira
independência» e «a rude sinceridade» que era a sua.
É,
pois, este, na vasta produção científica de Orlando Ribeiro, provavelmente um
documento singular, especificamente político
– no sentido em que se destina a especificamente a alertar o Governo para
certas situações de cariz político -, ainda que suportado em abundante e
erudita informação sociológica e cultural fruto das suas observações.
(…) Em termos
gerais, e salvo algumas excepções que ressalva, a «província de Goa» surgiu-lhe
como «a terra menos portuguesa de todas as que vira ate então». E explica
detalhadamente porquê, tomando como tópicos o desconhecimento geral da nossa
língua», a «persistência de uma sociedade estranha e indiferente, quando não
hostil à nossa presença», a limitada influência portuguesa «encerrada como um
quisto no flanco do hinduísmo renascente» ou o predomínio de sentimentos
autonomistas ou pró-indianos sobre o «patriotismo português». Não se inibe,
mesmo, Orlando Ribeiro, de lamentar as deturpações da propaganda oficial (…), ou
de verberar os casos de «corrupção», «prepotência», «exorbitação da
autoridade», «parcialidade», imputados às autoridades portuguesas que
encontrara envoltas em ambiente de «suspeição e delação» e de algum
«nervosismo». Para o leitor de hoje, dir-se-ia que, fosse por erros históricos
da colonização portuguesa no lidar com a complexa sociedade indiana, fosse por
características de fechamento e de nacionalismo anti-ocidentais próprias desta
ou por ela desenvolvidas, Portugal «perdera o pé» na Índia, desligara-se política, social e
culturalmente do «escol» indiano sem criar
outro que lhe fosse fiel, não estando à vista, salvo medidas pontuais,
uma soluço fácil para os desafios que colocava a pressão da União Indiana.
No
fundo, através de uma abordagem frontal, o autor dá-nos da «Goa portuguesa», não
deixando de o lamentar e de alertar o Governo para a situação, o reverso da
imagem do «mundo português» mestiçado, miscigenizado, gerador de uma sociedade
e outra específicas que a «vulgata luso-tropicalista» do regime costumava
celebrar. Pesava sobre o «Estado Português da Índia», como diz Orlando Ribeiro ao
concluir o seu Relatório, «um passado de abandono e um futuro de incertezas».
Que melhor prefácio se haveria de encontrar para o desenlace que se avizinhava?"
O RELATÓRIO QUE SALAZAR METEU NA GAVETA
A «Missão de
Geografia da Índia» na obra científica de Orlando Ribeiro
Introdução de
Suzanne Daveau
"(…) Desde a
proclamação da independência da União Indiana e do Paquistão, em 15 de Agosto
de 1947, a
tensão política internacional fez-se cada vez maior à roda da persistente e
teimosa soberania de Portugal sobre o «Estado da Índia» (…). Em Janeiro de
1955, foi encarada, em conversa com o ministro dos Negócios Estrangeiros, Prof.
Paulo Cunha, a rápida realização duma Missão de Geografia à Índia. Esta foi
criada em Maio de 1955 e Orlando Ribeiro nomeado Chefe da Missão em 1 de
Agosto, tendo como adjuntos Raquel Soeiro de Brito e Mariano Feio, ambos seus
discípulos e doutores em Geografia.
(…) Na realidade,
os resultados científicos da Missão nunca chegaram a ser reunidos numa
publicação única. Cada um dos participantes redigiu alguns artigos provisórios
e elaborou, mais tarde, obras maiores, quer centradas nos problemas de Goa quer
alimentadas comparativamente pela experiência ganha durante a Missão.
(…) O Relatório ao Governo, agora publicado
pela primeira vez, nunca teve a menor difusão.
(…) Orlando
Ribeiro conta, no Relatório, quanto a impressão resultante dos primeiros contactos
humanos que teve na Índia foi para ele deprimente: uma verdadeira desilusão. A
expectada Índia Portuguesa, brilhante jóia do Oriente e do Ultramar, lugar de
fecundo encontro entre dois focos de velha civilização, lhe apareceu, de facto,
como «a terra menos portuguesa» dos numerosos territórios de além-mar, tocados
pela expansão plurissecular do seu país, que já conhecia. Sentiu dolorosamente
o desprezo que os indianos tinham para com os «paclós» da metrópole e observou
também, com não menos desânimo, que «Portugal não se interessa pela Índia».
(…) De volta a
Lisboa no fim de Fevereiro de 1956,sentiu-se obrigado a dar logo conta ao
Governo, promotor e financiador da Missão, não apenas das observações
efectuadas mas, sobretudo, das preocupações que sentia, frente a uma situação
não apenas grave no plano internacional mas que lhe parecia também muito mal
encaminhada no plano local, pelas incompreensões e erros que marcavam a acção
administrativa e cultural do Governo. Com a singeleza e frontalidade habitual do
seu feitio, entendeu dever dirigir-se directamente à mais alta autoridade do
país, sabendo por experiência que o seu Relatório se teria perdido de caminho,
se utilizasse a via hierárquica normal. Conservava sem dúvida alguma ilusão,
bastante ingénua, sobre a possibilidade de convencer Salazar, de quem
respeitava a capacidade intelectual e de decisão, a modificar rapidamente a
política em curso.
Não conhecia pessoalmente o Chefe do Governo, então com 66 anos de idade e que dirigia o país havia já um quarto de século. Apenas chegou a vê-lo de perto uma vez, numa cerimónia oficial, e nunca mais trocou correspondência com ele. Mas acreditava ainda, visivelmente, na possibilidade da «acção renovadora que poderia ter exercido», se não tivesse sido tão «ávido de mandar» e «desprezador dos serventuários», como escrevera em 1981, ao fazer o balanço da sua vida científica e universitária.
Salazar acusou a recepção do Relatório num bilhete autógrafo, agradecendo «a preciosa informação» e pedindo para mandar um exemplar ao Presidente da República. Numa carta dirigida a este último, datada de 18 de Maio de 1956 (e publicada em 1983), Salazar voltou ao assunto, dizendo o Presidente que lhe mandava um «estudo sobre a Índia Portuguesa pelas características do seu povo que achei do maior interesse. Lendo ao mesmo tempo um trabalho de muito boa categoria o Prof. Orlando Ribeiro (de quem solicitei fosse oferecido a Vossa Excelência um exemplar), pode encontrar-se a confirmação do que o autor do primeiro afirma». Passamos assim a saber que o Relatório do geógrafo cruzou-se nas mãos de Salazar com outra informação de teor análogo, de autor não determinado. Mas nem o Presidente da República acusou a recepção do exemplar mandado, nem as informações e recomendações contidas neste documentos parecem ter surtido efeito político algum."
*Bibliografia sob consulta directamente ao autor
JFSR 2016
Não conhecia pessoalmente o Chefe do Governo, então com 66 anos de idade e que dirigia o país havia já um quarto de século. Apenas chegou a vê-lo de perto uma vez, numa cerimónia oficial, e nunca mais trocou correspondência com ele. Mas acreditava ainda, visivelmente, na possibilidade da «acção renovadora que poderia ter exercido», se não tivesse sido tão «ávido de mandar» e «desprezador dos serventuários», como escrevera em 1981, ao fazer o balanço da sua vida científica e universitária.
Salazar acusou a recepção do Relatório num bilhete autógrafo, agradecendo «a preciosa informação» e pedindo para mandar um exemplar ao Presidente da República. Numa carta dirigida a este último, datada de 18 de Maio de 1956 (e publicada em 1983), Salazar voltou ao assunto, dizendo o Presidente que lhe mandava um «estudo sobre a Índia Portuguesa pelas características do seu povo que achei do maior interesse. Lendo ao mesmo tempo um trabalho de muito boa categoria o Prof. Orlando Ribeiro (de quem solicitei fosse oferecido a Vossa Excelência um exemplar), pode encontrar-se a confirmação do que o autor do primeiro afirma». Passamos assim a saber que o Relatório do geógrafo cruzou-se nas mãos de Salazar com outra informação de teor análogo, de autor não determinado. Mas nem o Presidente da República acusou a recepção do exemplar mandado, nem as informações e recomendações contidas neste documentos parecem ter surtido efeito político algum."
*Bibliografia sob consulta directamente ao autor
JFSR 2016
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