Camilo Castelo Branco (1825-1890)
Camilo Ferreira
Botelho Castelo Branco (Mártires-Lisboa, 16 de
Março de 1825 — São Miguel de Seide-Vila Nova de Famalicão, 1 de Junho de 1890)
foi um romancista, cronista, crítico, dramaturgo, historiador, poeta e
tradutor. Foi ainda o 1.º Visconde de
Correia Botelho, título concedido pelo rei D. Luís. Foi um dos
escritores mais prolíferos e marcantes da literatura portuguesa.
Em «Vulcões de
Lama», publicado em 1.ª edição em 1886, o seu 54.º e último romance, Camilo –
que nunca terá estado na Índia – coloca Artur Rodrigues Tavares, um dos
principais personagens da obra, em Damão.
“Como tinha algum
leitura das crónicas asiáticas de João de Barros e Diogo do Couto, pensava ir
para a Índia. As suas ideias a respeito do mecanismo militar e da organização
social portuguesa, em 1844, abonavam-lhe a esperança de ir à Ásia e regressar
de lá com os louros dos Castros e Albuquerques para entupir de assombro os
Canastreiros e os Ratos.
(…) Poucos meses
depois saiu numa expedição para Goa com as divisas de sargento.
(…) mas o
sargento Artur Tavares estava vivedouro e são como um pêro, em Damão,
comandando um destacamento e cevando de amor o coração de uma goesa, viúva,
possuidora de muitos pardaus e rupias, que o acompanhara. Quando Luís de Camões
esteve em Goa, as portuguesas «caíam de maduras», disse o poeta em uma carta
para o reino. É natural que, no transcurso de três séculos dissolventes, elas
«caíssem de podres».
(…) A tal goesa
parecia ter saído do gineceu da Rasa, geração das lúbricas bailadeiras do ciclo
pomposo dos vice-reis. Tez cobreada, o artelho fino, e o peito viril
ressequido, como tisnado do fogo interior. Embelezaram-no estes filtros, estes
mil feitiços
das raparigas,
filhas dos
pardais castiços,
que o Bocage
cantara em Goa e não soubera aproveitar.
(…) Enquanto,
pois, o José Rato fazia votos por que um ramo de peste eliminasse o amado de
Doroteia, estava ele nos palmares de Damão enroscado no amor serpentino da
abastada goesa que o amava até ao apetite antropófago de o mastigar e esmoer no
seu coração.
(…) O alferes
Artur Tavares e a sua amantíssima contubernal velejavam o seu escaler pelas
margens viridentes do Sandalcalo, que serpeia entre a Praça e o Damão Pequeno.
A rica viúva do contrabandista de sal,
toda paixão, no rescaldo dos trinta e dois anos, assinava-se D. Úrsula Falcão
Sinary Pelinga. Estes dois apelidos índicos tinham sido o nome e sobrenome de
sua oitava avó, uma parse, ou persa, natural de Ormuz. Seu oitavo avô, fidalgo
português, e capitão-governador daquela fortaleza levantada pelos gigantes
manuelinos no golfo Pérsico, chamava-se Luís Falcão, um grande frascário, imortalizado
nas Cartas de Simão Botelho, e nas Lendas, de Gaspar Correia.
………………………………………………………………………………………………………………
(…) Resolvera
Artur, obtida licença do governador-geral, vir ao reino com D.Úrsula, e aqui, mesmo
contra a vontade dos pais, casar com ela.
Esperavam a
licença de Goa, e entretanto recreavam-se em Damão costeando no seu embandeirado
escaler à ourela do frondente Sandalcalo.
(…) Os jornais da
capital tinham anunciado a chegada de Artur Tavares, alferes do exército
ultramarino, entre os passageiros vindos num paquete inglês procedente da Índia.
Sim, o exército português ultramarino, um exército que lá estava e está a
manutir a obra impávida dos Albuquerques, dos Castros e dos Almeidas por quem o
Tejo ultimamente desatou a rir.
JFSR 2016
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