terça-feira, 12 de janeiro de 2016

FLORILÉGIO GOENSE- CAMILO CASTELO BRANCO



Camilo Castelo Branco (1825-1890)

Camilo Ferreira Botelho Castelo Branco (Mártires-Lisboa, 16 de Março de 1825 — São Miguel de Seide-Vila Nova de Famalicão, 1 de Junho de 1890) foi um romancista, cronista, crítico, dramaturgo, historiador, poeta e tradutor. Foi ainda o 1.º Visconde de Correia Botelho, título concedido pelo rei D. Luís. Foi um dos escritores mais prolíferos e marcantes da literatura portuguesa.


Em «Vulcões de Lama», publicado em 1.ª edição em 1886, o seu 54.º e último romance, Camilo – que nunca terá estado na Índia – coloca Artur Rodrigues Tavares, um dos principais personagens da obra, em Damão.

“Como tinha algum leitura das crónicas asiáticas de João de Barros e Diogo do Couto, pensava ir para a Índia. As suas ideias a respeito do mecanismo militar e da organização social portuguesa, em 1844, abonavam-lhe a esperança de ir à Ásia e regressar de lá com os louros dos Castros e Albuquerques para entupir de assombro os Canastreiros e os Ratos.

(…) Poucos meses depois saiu numa expedição para Goa com as divisas de sargento.

(…) mas o sargento Artur Tavares estava vivedouro e são como um pêro, em Damão, comandando um destacamento e cevando de amor o coração de uma goesa, viúva, possuidora de muitos pardaus e rupias, que o acompanhara. Quando Luís de Camões esteve em Goa, as portuguesas «caíam de maduras», disse o poeta em uma carta para o reino. É natural que, no transcurso de três séculos dissolventes, elas «caíssem de podres».

(…) A tal goesa parecia ter saído do gineceu da Rasa, geração das lúbricas bailadeiras do ciclo pomposo dos vice-reis. Tez cobreada, o artelho fino, e o peito viril ressequido, como tisnado do fogo interior. Embelezaram-no estes filtros, estes

                   mil feitiços

das raparigas, filhas dos

                   pardais castiços,

que o Bocage cantara em Goa e não soubera aproveitar.

(…) Enquanto, pois, o José Rato fazia votos por que um ramo de peste eliminasse o amado de Doroteia, estava ele nos palmares de Damão enroscado no amor serpentino da abastada goesa que o amava até ao apetite antropófago de o mastigar e esmoer no seu coração.

(…) O alferes Artur Tavares e a sua amantíssima contubernal velejavam o seu escaler pelas margens viridentes do Sandalcalo, que serpeia entre a Praça e o Damão Pequeno.

       A rica viúva do contrabandista de sal, toda paixão, no rescaldo dos trinta e dois anos, assinava-se D. Úrsula Falcão Sinary Pelinga. Estes dois apelidos índicos tinham sido o nome e sobrenome de sua oitava avó, uma parse, ou persa, natural de Ormuz. Seu oitavo avô, fidalgo português, e capitão-governador daquela fortaleza levantada pelos gigantes manuelinos no golfo Pérsico, chamava-se Luís Falcão, um grande frascário, imortalizado nas Cartas de Simão Botelho, e nas Lendas, de Gaspar Correia.

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(…) Resolvera Artur, obtida licença do governador-geral, vir ao reino com D.Úrsula, e aqui, mesmo contra a vontade dos pais, casar com ela.

Esperavam a licença de Goa, e entretanto recreavam-se em Damão costeando no seu embandeirado escaler à ourela do frondente Sandalcalo.

(…) Os jornais da capital tinham anunciado a chegada de Artur Tavares, alferes do exército ultramarino, entre os passageiros vindos num paquete inglês procedente da Índia. Sim, o exército português ultramarino, um exército que lá estava e está a manutir a obra impávida dos Albuquerques, dos Castros e dos Almeidas por quem o Tejo ultimamente desatou a rir.

 JFSR 2016


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