terça-feira, 19 de janeiro de 2016

RELATÓRIO AO GOVERNO - GOA 1956, ORLANDO RIBEIRO (2)



RELATÓRIO AO GOVERNO - GOA 1956, ORLANDO RIBEIRO (2)



A terra menos portuguesa de todas (…) Pátria para o goês é Goa (…) O meu sentimento pessoal não é favorável à larga utilização dos índios nos quadros da administração ultramarina

Relatório ao Governo

Uma missão de estudo: objectivos, processos de trabalho, âmbito e propósito das observações. Razão do presente Relatório

De 8 de Outubro de 1955 a 27 de Fevereiro de 1956, estive na Índia Portuguesa numa missão de estudo da Junta de Investigação do Ultramar, em que tive como colaboradores dois discípulos, a Doutora Raquel Soeiro de Brito, assistente da Faculdade de Letras de Lisboa, e o Doutor Mariano Feio, que anteriormente exercera, por alguns anos, o mesmo cargo. O nosso objectivo era poder elaborar um trabalho desenvolvido acerca da Geografia desses territórios portugueses, preparado em comum segundo as predilecções ou antecedentes científicos de cada um. Era de esperar que este trabalho, conduzido com desenvolvimento, mostrasse a que profundidade chegara a acção portuguesa através de quatro séculos e meio de história. Algumas observações francamente animadoras de geógrafos e sociólogos estrangeiros, como Gourou, Spate, Siegfried e Gilberto Freyre, receberiam assim ampla confirmação e o desenvolvimento que, nas actuais circunstâncias, parecia oportuno conceder-lhes.
(…) possuía assim uma perspectiva ampla ao iniciar as investigações na província de Goa. Esta apareceu aos meus olhos como a terra menos portuguesa de todas as que vira até então, menos portuguesa do que a Guiné, pacificada em 1912! O desconhecimento geral da nossa língua, a persistência de uma sociedade estranha e indiferente, quando não hostil, à nossa presença, a limitação da nossa influência, encerrada como um quisto no flanco do hinduísmo renascente, fizeram-me olhar Goa com uma grande decepção. (…)

Sentimentos dos goeses em relação a Portugal



(…) Pátria para o goês é Goa, é nela que eles desejam gozar liberdades e proeminências; entre os partidários da integração – e os hindus são-no em geral pelas razões de sentimento e cultura apontadas – e os partidários da união com Portugal (parece que mais ou menos convictos consoante sopram os ventos!), situa-se grande número de goeses cristãos, que acima de tudo desejariam íntimas relações com a Índia e a autonomia da sua terra. Aquilo que para alguns é uma espécie de dupla cidadania, goesa e portuguesa, de que aliás sabem tirar todo o proveito, preferiam-no eles em relação à União Indiana. (…)

Os goeses no quadro do Império português

(…) Receia, creio eu não sem razão, o Governo a desconfiança, ou pelo menos a antipatia, com que é olhado o índio nalguns lugares do nosso Ultramar.
(…) O meu sentimento pessoal não é favorável à larga utilização dos índios nos quadros da administração ultramarina. Ao contrário dos cabo-verdianos, colaboradores devotados e leais dela, tão portugueses nos sentimentos e na  mentalidade, esta gente, mesmo quando cristã, não se desprende do seu orgulho de raça (julgam-se superiores aos brancos), dos seus preconceitos da casta, da sua repulsa pelos negros, em cuja inferioridade acreditam. Quer dizer: como colaboradores de uma política de indiscriminação étnica e de verdadeira assimilação, teriam tendência a fazer o contrário do que se exigiria deles. Isto é, evidentemente, um perigo.
(…) Colocados em postos de iniciativa e direcção, ou servindo de intermediários entre o Governo distante e as populações locais, sem uma cuidada e segura formação portuguesa (e já vimos como a educação em Goa é deficiente neste aspecto), não sei até que ponto se deverá contar com eles.

Considerações finais

(…) Os problemas de Goa são complexos, difíceis, pesam sobre esses territórios um passado de abandono e um futuro de incertezas. Seria para nós motivo de grande satisfação, se o livro para que recolhemos estes materiais e que projectamos publicar, o mais breve possível, contribuindo para que melhor se conheça esta terra e esta gente, as suas necessidades e aspirações, ajudasse, de algum modo, a resolvê-los.
        Como algumas divindades hindus, providas de três rostos e seis braços, também a verdade sobre Goa tem formas várias e movediças. Estas notas, de certo modo marginais em relação ao trabalho científico essencial, procuram mostrar uma das suas faces. (…)
Lisboa, Abril de 1956

 *Bibliografia sob consulta directamente ao autor  

 JFSR 2016   



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