RELATÓRIO AO
GOVERNO - GOA 1956, ORLANDO RIBEIRO (2)
A terra menos portuguesa
de todas (…) Pátria para o goês é Goa (…) O meu
sentimento pessoal não é favorável à larga utilização dos índios nos quadros da
administração ultramarina
Relatório ao
Governo
Uma missão de
estudo: objectivos, processos de trabalho, âmbito e propósito das observações.
Razão do presente Relatório
De 8 de Outubro
de 1955 a
27 de Fevereiro de 1956, estive na Índia Portuguesa numa missão de estudo da
Junta de Investigação do Ultramar, em que tive como colaboradores dois
discípulos, a Doutora Raquel Soeiro de Brito, assistente da Faculdade de Letras
de Lisboa, e o Doutor Mariano Feio, que anteriormente exercera, por alguns
anos, o mesmo cargo. O nosso objectivo era poder elaborar um trabalho
desenvolvido acerca da Geografia desses territórios portugueses, preparado em
comum segundo as predilecções ou antecedentes científicos de cada um. Era de
esperar que este trabalho, conduzido com desenvolvimento, mostrasse a que
profundidade chegara a acção portuguesa através de quatro séculos e meio de
história. Algumas observações francamente animadoras de geógrafos e sociólogos
estrangeiros, como Gourou, Spate, Siegfried e Gilberto Freyre, receberiam assim
ampla confirmação e o desenvolvimento que, nas actuais circunstâncias, parecia
oportuno conceder-lhes.
(…) possuía assim
uma perspectiva ampla ao iniciar as investigações na província de Goa. Esta apareceu
aos meus olhos como a terra menos
portuguesa de todas as que vira até então, menos portuguesa do que a Guiné,
pacificada em 1912! O desconhecimento geral da nossa língua, a persistência de
uma sociedade estranha e indiferente, quando não hostil, à nossa presença, a limitação
da nossa influência, encerrada como um quisto no flanco do hinduísmo
renascente, fizeram-me olhar Goa com uma grande decepção. (…)
Sentimentos dos
goeses em relação a Portugal
(…) Pátria para o
goês é Goa, é nela que eles desejam gozar liberdades e proeminências; entre os
partidários da integração – e os hindus são-no em geral pelas razões de
sentimento e cultura apontadas – e os partidários da união com Portugal (parece
que mais ou menos convictos consoante sopram os ventos!), situa-se grande número
de goeses cristãos, que acima de tudo desejariam íntimas relações com a Índia e
a autonomia da sua terra. Aquilo que para alguns é uma espécie de dupla
cidadania, goesa e portuguesa, de que aliás sabem tirar todo o proveito,
preferiam-no eles em relação à União Indiana. (…)
Os goeses no
quadro do Império português
(…) Receia, creio
eu não sem razão, o Governo a desconfiança, ou pelo menos a antipatia, com que é
olhado o índio nalguns lugares do nosso Ultramar.
(…) O meu
sentimento pessoal não é favorável à larga utilização dos índios nos quadros da
administração ultramarina. Ao contrário dos cabo-verdianos, colaboradores devotados
e leais dela, tão portugueses nos sentimentos e na mentalidade, esta gente, mesmo quando cristã,
não se desprende do seu orgulho de raça (julgam-se superiores aos brancos), dos
seus preconceitos da casta, da sua repulsa pelos negros, em cuja inferioridade acreditam.
Quer dizer: como colaboradores de uma política de indiscriminação étnica e de
verdadeira assimilação, teriam tendência a fazer o contrário do que se exigiria
deles. Isto é, evidentemente, um perigo.
(…) Colocados em
postos de iniciativa e direcção, ou servindo de intermediários entre o Governo
distante e as populações locais, sem uma cuidada e segura formação portuguesa (e
já vimos como a educação em Goa é deficiente neste aspecto), não sei até que
ponto se deverá contar com eles.
Considerações
finais
(…) Os problemas
de Goa são complexos, difíceis, pesam sobre esses territórios um passado de
abandono e um futuro de incertezas. Seria para nós motivo de grande satisfação,
se o livro para que recolhemos estes materiais e que projectamos publicar, o
mais breve possível, contribuindo para que melhor se conheça esta terra e esta
gente, as suas necessidades e aspirações, ajudasse, de algum modo, a resolvê-los.
Como algumas divindades hindus,
providas de três rostos e seis braços, também a verdade sobre Goa tem formas várias e movediças. Estas notas, de
certo modo marginais em relação ao trabalho científico essencial, procuram
mostrar uma das suas faces. (…)
Lisboa, Abril de 1956
*Bibliografia sob consulta directamente ao autor
JFSR 2016
JFSR 2016
Sem comentários:
Enviar um comentário