segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

UMA HISTÓRIA DE AMOR

UMA HISTÓRIA DE AMOR






Edila Andrade nasceu no Faial, Açores, em 1920. Após terminar o Liceu, rumou a Lisboa para frequentar o curso de piano no Conservatório. Uma das suas colegas de casa adoeceu, e foi chamado um médico, o indiano Pundalik Gaitonde. Assim, por mero acaso, aconteceu o encontro de Edila com Lica, marcante para o resto das suas vidas.
Só cinco anos depois, pós muitas cartas trocadas entre Lisboa e Goa, a pianista açoriana casou com o médico goês numa cerimónia de compromisso, apenas pelo civil, numa conservatória de Lisboa.




O ineditismo da sua história começa logo pelo incomum da sua situação: uma menina, vinda de um ambiente tradicional do Faial, que se enamora por um goês, para mais hindu. E que, vencidas resistências familiares e sociais das famílias de um e de outro dos noivos, inicia, sem dramatismos nem militâncias, um percurso de vida que acumula transgressões. Um namoro de uma europeia com um não europeu numa sociedade com muitos traços de machismo e de racismo; um casamento civil. E misto, na embiocada Lisboa dos anos 50, e perante uma Igreja conservadora e intolerante; um almoço de boda no Forte de Peniche; uma rede de relações arriscadas com círculos de independentistas goeses, muito antes de a própria oposição anti-salazarista articular explicitamente a componente anticolonialista. Depois, do outro lado, um casamento censurável para as tradições de uma família brâmane; um esforço contínuo para ultrapassar a sua situação de estrangeira, de católica e de impura na família e no meio social do marido.
Em 1947, a Índia tornara-se uma nação independente, Nehru era o seu novo governante. Todas as expectativas eram possíveis e Pundalik Gaitonde não queria assistir de longe.
Partiram para a Índia no final de 1948.

Nomeado entretanto director do Hospital dos Milagres, o Dr. Gaitonde optou por se estabelecer em Mapusa.Quanto à pianista, montou um pequeno estúdio afiliado à Royal School of Music de Londres, ensinava e dava concertos.
A pouco e pouco, o Dr. Gaitonde foi-se interessando activamente pela política.
Preso no dia 17 de Fevereiro de 1954 por motivos políticos, Pundalik Gaitonde foi deportado para Portugal. Edila acompanhou-o. Passou ano e meio no Aljube. À saída, Palma Carlos, advogado e conselheiro, tratou dos documentos para que partissem imediatamente. Em Nova Deli, Gaitonde, figura agora relevante da resistência goesa, decidiu utilizar essa notoriedade em proveito da causa. Com o assentimento de Nehru, partiu pelos quatro cantos do mundo combatendo a campanha internacional portuguesa e defendendo as pretensões indianas. Também Edila se empenhou à sua maneira, colocando-se ao serviço da "All India Rádio" para dar voz às emissões dirigidas para Portugal.
É portuguesa na Goa hindu; filo-indiana na Goa dos colonos nacionalistas; é outcasted na sociedade bramânica; é «amigada» para um seu conterrâneo dos Açores, o patriarca das Índias; é traidora nos meios salazaristas ( e, em geral, numa sociedade portuguesa então intoxicada de propaganda anti-indiana); é suspeita entre falsos freedom fighters.





Em Novembro de 2011 veio a lume pela  Editorial Tágide,  com Prefácio  de António Manuel Hespanha, o livro de Edila, sob o título «As Maçãs Azuis – Portugal e Goa ( 1948-1961)».






Bibliografia:
«As Maçãs Azuis –Portugal e Goa 1948-1961», Edila Gaitonde, Prefácio António Manuel Hespanha, Editorial Tágide,Lda, Novembro de 2011;

«GOA – História de um Encontro»,Catarina Portas/Inês Gonçalves, Almedina, Outubro de 2001

JFSR 2016

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