A CONJURAÇÃO DE 1787 EM
GOA
A
Conspiração ou Sublevação dos Pintos
A segunda revolta
anticolonial da Era Moderna, depois do Boston Tea Party
«(...) formar uma nova república em que os chamados naturais, por um conselho da Câmara geral, governassem e usassem da Soberania»
«(…) pernicioso intento (…) criarem universidades, formarem um parlamento, e outras loucuras semelhantes (…)»
«(...) formar uma nova república em que os chamados naturais, por um conselho da Câmara geral, governassem e usassem da Soberania»
«(…) pernicioso intento (…) criarem universidades, formarem um parlamento, e outras loucuras semelhantes (…)»
Carta de 18 de Março de 1789 do Governador Francisco da
Cunha e Menezes ao Secretário d’ Estado Martinho de Mello e Castro
Foi em Goa, no
século XVIII, que ocorreu pela primeira vez nos domínios ultramarinos
portugueses um movimento de emancipação política, a segunda revolta
anticolonial da história moderna, catorze anos depois do Boston Tea Party (1773)
que levaria ao início das revoltas entre as colónias americanas e à Guerra de
Independência dos Estados Unidos.
Boston Tea Party |
A Conspiração ou
Sublevação dos Pintos, assim denominada pelo envolvimento de alguns membros
desta importante família local, ocorreu em 1787, portanto dois anos antes da
Inconfidência Mineira do Brasil.
A independência
dos Estados Unidos da América, e as ideias iluministas e as novas formulações
burguesas acerca do homem e da sociedade que estiveram na génese da Revolução
Francesa, lançaram as sementes da emancipação dos territórios coloniais, e inspiraram
os movimentos de emancipação das elites coloniais, tanto de Goa quanto de Minas
Gerais, no Brasil.
A Revolta de 1787,
em Goa, tinha claramente o propósito de tornar aquela colónia independente de
Portugal.
Ela começou entre
padres católicos goeses, insatisfeitos com os portugueses por não conseguirem, na
sua condição de indianos, promoções na hierarquia católica, que se associaram a
oficiais militares goeses que pela mesma razão não conseguiam ascender na
carreira militar.
Outros conspiradores eram, ainda, o padre
Caetano Vitorino de Faria, e seu filho, José Custódio de Faria, que ficou
conhecido, mais tarde, em França, como l’abbé
Faria, que se encontravam em Lisboa, junto da Corte.
Abade Faria |
Em finais de Setecentos, os contactos entre Portugal e a
Índia ultrapassavam em muito os aspectos meramente económicos. Para além da
correspondência oficial e privada, dos livros e mercadorias trocadas, existia
em Lisboa uma colónia de goeses formada por pessoas com um certo grau de cultura
e responsabilidades cívicas, circunstância que poderá ter contribuído para
reforçar a adesão dos goeses aos padrões das luzes.
Foram dois
eruditos padres católicos, Caetano Francisco Couto, de Panjim, e José António
Gonçalves, de Divar, que aspiravam a se tornarem Bispos, os cabeças da
conspiração, por verem bloqueadas suas pretensões.
No total foram presos 47 suspeitos, entre os
quais 14 religiosos e alguns militares.
O padre José António Gonçalves, e
mais oito conjurados, lograram escapar.
O projecto do padre Gonçalves, apoiado por
Caetano Francisco do Couto, era o de expulsarem os portugueses e entregar o
poder aos filhos da terra, especialmente os brâmanes,
de que eles faziam parte.
Conforme a sentença, o fim da conjuração, «era formar uma nova república em que os
chamados naturais, por um conselho da Câmara geral, governassem e usassem da
Soberania».
Logo que se descobriu a conjuração, a
primeira coisa que naturalmente ocorreu em Goa e em Lisboa, foi que os
conjurados obravam de concerto com alguma potência estrangeira, especialmente
com Tipú Sultão. Mas no decurso do processo parece que se foram atenuando essas
suspeitas.
Aparentemente, os conspiradores nem tiveram
tempo de angariar apoio estrangeiro - «Os sediciosos sequer haviam buscado o
patrocínio do Tipú ou dos Maratas», concluiu mais tarde Cunha e Meneses -, nem
tão pouco foram encontrada quaisquer armas ou dinheiro para a financiar. Dito
de outra forma, a rebelião não tivera tempo sequer de ser digna desse nome.
A sentença cingindo-se, como era obrigação
dos juízes, às provas dos autos, e não achando neles a desse auxílio, ou inteligência
de potencia estrangeira, não podia asseverar que o houvesse.
Seguindo por tanto as conclusões da sentença
escrevia o Governador [e Capitão General do Estado da Índia, Francisco da Cunha
e Menezes] ao Secretário d’ Estado [Martinho de Mello e Castro] em carta de 18
de Março de 1789:
«Ficam
cessando todas as verosímeis conjecturas, que havia de que estes sediciosos
terião buscado o patrocínio ou de Tipú, ou dos Maratas, ou que ao menos
quizessem buscar o Bounsuló, ou a representação real que achavam no Rei de
Sunda, o que he muito provável fizessem
conhecendo-se fracos, e fraquíssimos para executar o seu pernicioso intento, se
a isto se não opppuzessem os fins, com que os cabeças desta rebelião a intentavam,
que eram de se fazerem bispos não sei por que modo, criarem universidades,
formarem um parlamento, e outras loucuras semelhantes, que V. Ex.ª terá visto,
e verá pelos depoimentos das testemunhas, e confissões do réos, admirando-se de
haver cabeças, em que coubessem semelhantes disparates.»
Talvez
por essa razão, não se avançou com nenhum processo formal e os padres não foram
a tribunal (limitaram-se a ver os seus bens sequestrados). Tudo indica, que a beata
Rainha D. Maria II mandara abafar o caso.
Pela sentença de 9 de Dezembro de 1788,
baseada principalmente nas confissões dos réus, foram condenados à pena última
15 réus seculares, 5 a
degredo, 5 à pena de açoites, sendo absolvido apenas um: João de Sousa, de
Onor.
O padre Caetano Couto e mais alguns clérigos foram enviados para a metrópole
e presos na fortaleza de São Julião da Barra, em Oeiras. Alguns dos
militares que tinham sido cúmplices dos padres foram enforcados em Goa e outros
condenados a penas de prisão.
Estando em Goa, Bocage tomou
naturalmente conhecimento e acompanhou o caso.
Retrato de Bocage, por João Elói do Amaral |
O que se sabe, é que se manteve à margem das
constantes intrigas e conflitos políticos, não tendo participado, ao contrário
de algumas opiniões, na Conspiração dos Pintos.
À conjuração de 1787 referiu-se o poeta numa epístola ao seu amigo
Josino, tanto que escreveu alguns versos em que chamava aos conspiradores «réus
de atroz maldade» e atribuía o movimento à «falsa gente brâmane inquieta, que amaldiçoa o jugo lusitano».
Dezoito anos mais tarde os
sobreviventes receberam perdões régios.
«Por meio século se transmitiu à puridade entre as famílias indígenas de Goa a tradição dos sucessos da conjuração, não se atrevendo entre eles ninguém trazer a público negócio tão melindroso de confessar-se, como de negar-se.
Mas ao cabo daquele período veio a liberdade
de imprensa, que facultou a todos exprimir desafogadamente suas opiniões, ou
sinceras, ou afectadas; e de então para cá notam-se entre os filhos da Índia
dois sistemas históricos quanto à referida conjuração.
Uns negam com fundamentos menos sólidos a
existência dela, dão por caluniosa a acusação, por tirania os castigos e
prisões, e por inocentes e mártires do
despotismo os condenados, e encarcerados.
Outros, sem saber porque, dão com ufania por
provada a conjuração; inventariam até, se fosse necessário, e aplaudindo a
lembrança de sacudir o jugo do dominante intruso, canonizam os condenados por mártires da liberdade.»
Bibliografia:
Sob consulta directamente ao Autor
JFSR 2016
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