terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

A CONJURAÇÃO DE 1787 EM GOA (1)



A CONJURAÇÃO DE 1787 EM GOA
A Conspiração ou Sublevação dos Pintos

A segunda revolta anticolonial da Era Moderna, depois do Boston Tea Party

 «(...) formar uma nova república em que os chamados naturais, por um conselho da Câmara geral, governassem e usassem da Soberania»

 «(…) pernicioso intento (…) criarem universidades, formarem um parlamento, e outras loucuras semelhantes (…)»
Carta de 18 de Março de 1789 do Governador Francisco da Cunha e Menezes ao Secretário d’ Estado Martinho de Mello e Castro


  
  Foi em Goa, no século XVIII, que ocorreu pela primeira vez nos domínios ultramarinos portugueses um movimento de emancipação política, a segunda revolta anticolonial da história moderna, catorze anos depois do Boston Tea Party (1773) que levaria ao início das revoltas entre as colónias americanas e à Guerra de Independência dos Estados Unidos.
Boston Tea Party
   A Conspiração ou Sublevação dos Pintos, assim denominada pelo envolvimento de alguns membros desta importante família local, ocorreu em 1787, portanto dois anos antes da Inconfidência Mineira do Brasil.
   A independência dos Estados Unidos da América, e as ideias iluministas e as novas formulações burguesas acerca do homem e da sociedade que estiveram na génese da Revolução Francesa, lançaram as sementes da emancipação dos territórios coloniais, e inspiraram os movimentos de emancipação das elites coloniais, tanto de Goa quanto de Minas Gerais, no Brasil.
   A Revolta de 1787, em Goa, tinha claramente o propósito de tornar aquela colónia independente de Portugal.
   Ela começou entre padres católicos goeses, insatisfeitos com os portugueses por não conseguirem, na sua condição de indianos, promoções na hierarquia católica, que se associaram a oficiais militares goeses que pela mesma razão não conseguiam ascender na carreira militar.
   Outros conspiradores eram, ainda, o padre Caetano Vitorino de Faria, e seu filho, José Custódio de Faria, que ficou conhecido, mais tarde, em França, como l’abbé Faria, que se encontravam em Lisboa, junto da Corte.
Abade Faria
   Em finais de Setecentos, os contactos entre Portugal e a Índia ultrapassavam em muito os aspectos meramente económicos. Para além da correspondência oficial e privada, dos livros e mercadorias trocadas, existia em Lisboa uma colónia de goeses formada por pessoas com um certo grau de cultura e responsabilidades cívicas, circunstância que poderá ter contribuído para reforçar a adesão dos goeses aos padrões das luzes.
   Foram dois eruditos padres católicos, Caetano Francisco Couto, de Panjim, e José António Gonçalves, de Divar, que aspiravam a se tornarem Bispos, os cabeças da conspiração, por verem bloqueadas suas pretensões.
    No total foram presos 47 suspeitos, entre os quais 14 religiosos e alguns militares.
   O padre José António Gonçalves, e mais oito conjurados, lograram escapar.
   O projecto do padre Gonçalves, apoiado por Caetano Francisco do Couto, era o de expulsarem os portugueses e entregar o poder aos filhos da terra, especialmente os brâmanes, de que eles faziam parte.
   Conforme a sentença, o fim da conjuração, «era formar uma nova república em que os chamados naturais, por um conselho da Câmara geral, governassem e usassem da Soberania».
   Logo que se descobriu a conjuração, a primeira coisa que naturalmente ocorreu em Goa e em Lisboa, foi que os conjurados obravam de concerto com alguma potência estrangeira, especialmente com Tipú Sultão. Mas no decurso do processo parece que se foram atenuando essas suspeitas.
   Aparentemente, os conspiradores nem tiveram tempo de angariar apoio estrangeiro - «Os sediciosos sequer haviam buscado o patrocínio do Tipú ou dos Maratas», concluiu mais tarde Cunha e Meneses -, nem tão pouco foram encontrada quaisquer armas ou dinheiro para a financiar. Dito de outra forma, a rebelião não tivera tempo sequer de ser digna desse nome.
   A sentença cingindo-se, como era obrigação dos juízes, às provas dos autos, e não achando neles a desse auxílio, ou inteligência de potencia estrangeira, não podia asseverar que o houvesse.
   Seguindo por tanto as conclusões da sentença escrevia o Governador [e Capitão General do Estado da Índia, Francisco da Cunha e Menezes] ao Secretário d’ Estado [Martinho de Mello e Castro] em carta de 18 de Março de 1789:
   «Ficam cessando todas as verosímeis conjecturas, que havia de que estes sediciosos terião buscado o patrocínio ou de Tipú, ou dos Maratas, ou que ao menos quizessem buscar o Bounsuló, ou a representação real que achavam no Rei de Sunda, o que  he muito provável fizessem conhecendo-se fracos, e fraquíssimos para executar o seu pernicioso intento, se a isto se não opppuzessem os fins, com que os cabeças desta rebelião a intentavam, que eram de se fazerem bispos não sei por que modo, criarem universidades, formarem um parlamento, e outras loucuras semelhantes, que V. Ex.ª terá visto, e verá pelos depoimentos das testemunhas, e confissões do réos, admirando-se de haver cabeças, em que coubessem semelhantes disparates.»
   Talvez por essa razão, não se avançou com nenhum processo formal e os padres não foram a tribunal (limitaram-se a ver os seus bens sequestrados). Tudo indica, que a beata Rainha D. Maria II mandara abafar o caso.
   Pela sentença de 9 de Dezembro de 1788, baseada principalmente nas confissões dos réus, foram condenados à pena última 15 réus seculares, 5 a degredo, 5 à pena de açoites, sendo absolvido apenas um: João de Sousa, de Onor.  
  O padre Caetano Couto e mais alguns clérigos foram enviados para a metrópole e presos na fortaleza de São Julião da Barra, em Oeiras. Alguns dos militares que tinham sido cúmplices dos padres foram enforcados em Goa e outros condenados a penas de prisão.
 

                                                                                                                                             Estando em Goa, Bocage tomou naturalmente conhecimento e acompanhou o caso. 
Retrato de Bocage, por João Elói do Amaral



O que se sabe, é que se manteve à margem das constantes intrigas e conflitos políticos, não tendo participado, ao contrário de algumas opiniões, na Conspiração dos Pintos.
  À conjuração de 1787 referiu-se o poeta numa epístola ao seu amigo Josino, tanto que escreveu alguns versos em que chamava aos conspiradores  «réus de atroz maldade» e atribuía o movimento à «falsa gente brâmane inquieta, que amaldiçoa o jugo lusitano».
   








Dezoito anos mais tarde os sobreviventes receberam perdões régios.

   
   «Por meio século se transmitiu à puridade entre as famílias indígenas de Goa a tradição dos sucessos da conjuração, não se atrevendo entre eles ninguém trazer a público negócio tão melindroso de confessar-se, como de negar-se.
   Mas ao cabo daquele período veio a liberdade de imprensa, que facultou a todos exprimir desafogadamente suas opiniões, ou sinceras, ou afectadas; e de então para cá notam-se entre os filhos da Índia dois sistemas históricos quanto à referida conjuração.
   Uns negam com fundamentos menos sólidos a existência dela, dão por caluniosa a acusação, por tirania os castigos e prisões, e por inocentes e mártires do despotismo os condenados, e encarcerados.
   Outros, sem saber porque, dão com ufania por provada a conjuração; inventariam até, se fosse necessário, e aplaudindo a lembrança de sacudir o jugo do dominante intruso, canonizam os condenados por mártires da liberdade

Bibliografia:
Sob consulta directamente ao Autor 

JFSR 2016

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