GOA – paraíso artificial?
«Nós, que nada
temos de videntes e de dizedores de “mala-dicha”, não erramos quando
predissemos no nosso editorial de 30 de Agosto último, que Goa se transformaria
em breve em novo inferno.
Dizíamos nós:
-“Macau é a imagem do que Goa se deve tornar se continuar a ser o que é –uma
colónia. Em poucos anos ela se transformou em grande entreposto do contrabando
de ouro, e vai-se tornando um oásis da aguardente na aridez destas partes da
Índia. A pretexto de se admirar as suas belezas naturais, verdadeiras torrentes
humanas afluem a Goa para matar a sede de vinho que lá jorra a flux. Goa é uma
terra paupérrima, mas a torrente de ouro alheio, como prelúdio do vício e do
crime, está a transformá-la em paraíso artificial que, muito em breve, volverá,
também como Macau, em inferno de morte lenta para os goeses”.
A confirmar estas
nossas previsões, um semanário de Bombaim publicou na sua edição de 11 de
Outubro, uma notícia colhida nos meios diplomáticos de Nova Delhi, devida à
pena do seu correspondente naquela cidade, G. K. Reddi, que diz que um gang
composto de franceses, italianos e portugueses que fizeram grandes fortunas com
a exploração de casinos e “boites de nuit” em Paris e Riviera, está a planear
em formar em Lisboa uma sociedade, com o capital de bilhões de francos, com o
fim de transformar a cidade de Goa num dos mais afamados centros de atracção
–um paraíso para príncipes, jogadores, milionários da Índia, do Médio Oriente,
da Europa e da América.
Devido à carestia
de vida nas Rivieras francesa e italiana, Goa foi escolhida como sendo um local
ideal, porque, além da sua situação geográfica privilegiada, magníficas
paisagens, óptima situação marítima, clima ameno no inverno, e docilidade do
seu povo, possui os requisitos de Macau e de Monte Carlo.
Se os projectos
desse gang internacional tiverem realização, Goa será dotada com hotéis
modernos, casinos, cabarets, campos de jogos, bungalows à beira mar, e ainda
uma pequena colónia de nudistas. Segundo consta, a projectada sociedade está a
negociar com o Governo Português facilidades para fazer da ilha de Goa uma
verdadeira “colónia de férias” e “zona livre”, tal como Macau, com isenção dos
direitos alfandegários, tolerância da lei civil e criminal para as ofensas do
jogo, rixas, crimes, e isenção da restrição de moeda, para que os forasteiros
possam gastar livremente qualquer espécie
de moeda estrangeira.
A projectada sociedade
propõe-se também negociar com as companhias de navegação aérea e marítima, para
manter ligações entre Goa e as grandes cidades, tais como Bombaim, Karachi e
Colombo.
Notícias desta
grande aventura, diz o aludido correspondente, foram recebidas em Nova Delhi, há uma
semana, por intermédio duma fonte diplomática neutral de Paris que está
vigilante no que diz respeito às actividades dos grandes magnates dos cabarets e
casinos, devido às suas ligações com os contrabandistas e “maîtres chanteurs”
internacionais.
Se esse gang de
meneurs internacionais chegar a estabelecer-se em Goa, ainda mais sombrio deve
ser o futuro da Nossa Terra, por ser de magna importância política a
transformação de Goa em paraíso artificial. E uma vez estabelecida em Goa esta “roda
de fortuna” com o concurso de capitais estrangeiros, os interessados no magno
negócio tudo farão para que o novo Paraíso não seja um “Paraíso Perdido”, e
desse modo ajudarão o jogo dos imperialistas para quem as águas turvas são
sumamente propícias para os seus manejos inconfessáveis.
Urge, pois, que
todos nós goeses nos unamos, se não queremos que a Nossa terra se consuma, e
com ela todos nós, no fogo calcinante da orgia, do jogo, do vício e degradação.»
* «ALGEMAS & GRILHETAS (Páginas de crítica &
combate) (1951-1952)
Telo de Mascarenhas, edições “Ressurge, Goa!”, 1952,
pp.280-283
JFSR 2016
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