quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

GOA – PARAÍSO ARTIFICIAL?



GOA – paraíso artificial?


   «Nós, que nada temos de videntes e de dizedores de “mala-dicha”, não erramos quando predissemos no nosso editorial de 30 de Agosto último, que Goa se transformaria em breve em novo inferno.
   Dizíamos nós: -“Macau é a imagem do que Goa se deve tornar se continuar a ser o que é –uma colónia. Em poucos anos ela se transformou em grande entreposto do contrabando de ouro, e vai-se tornando um oásis da aguardente na aridez destas partes da Índia. A pretexto de se admirar as suas belezas naturais, verdadeiras torrentes humanas afluem a Goa para matar a sede de vinho que lá jorra a flux. Goa é uma terra paupérrima, mas a torrente de ouro alheio, como prelúdio do vício e do crime, está a transformá-la em paraíso artificial que, muito em breve, volverá, também como Macau, em inferno de morte lenta para os goeses”.
   A confirmar estas nossas previsões, um semanário de Bombaim publicou na sua edição de 11 de Outubro, uma notícia colhida nos meios diplomáticos de Nova Delhi, devida à pena do seu correspondente naquela cidade, G. K. Reddi, que diz que um gang composto de franceses, italianos e portugueses que fizeram grandes fortunas com a exploração de casinos e “boites de nuit” em Paris e Riviera, está a planear em formar em Lisboa uma sociedade, com o capital de bilhões de francos, com o fim de transformar a cidade de Goa num dos mais afamados centros de atracção –um paraíso para príncipes, jogadores, milionários da Índia, do Médio Oriente, da Europa e da América.
   Devido à carestia de vida nas Rivieras francesa e italiana, Goa foi escolhida como sendo um local ideal, porque, além da sua situação geográfica privilegiada, magníficas paisagens, óptima situação marítima, clima ameno no inverno, e docilidade do seu povo, possui os requisitos de Macau e de Monte Carlo.
   Se os projectos desse gang internacional tiverem realização, Goa será dotada com hotéis modernos, casinos, cabarets, campos de jogos, bungalows à beira mar, e ainda uma pequena colónia de nudistas. Segundo consta, a projectada sociedade está a negociar com o Governo Português facilidades para fazer da ilha de Goa uma verdadeira “colónia de férias” e “zona livre”, tal como Macau, com isenção dos direitos alfandegários, tolerância da lei civil e criminal para as ofensas do jogo, rixas, crimes, e isenção da restrição de moeda, para que os forasteiros possam gastar livremente qualquer espécie de moeda estrangeira.
   A projectada sociedade propõe-se também negociar com as companhias de navegação aérea e marítima, para manter ligações entre Goa e as grandes cidades, tais como Bombaim, Karachi e Colombo.
   Notícias desta grande aventura, diz o aludido correspondente, foram recebidas em Nova Delhi, há uma semana, por intermédio duma fonte diplomática neutral de Paris que está vigilante no que diz respeito às actividades dos grandes magnates dos cabarets e casinos, devido às suas ligações com os contrabandistas e “maîtres chanteurs” internacionais.

   Se esse gang de meneurs internacionais chegar a estabelecer-se em Goa, ainda mais sombrio deve ser o futuro da Nossa Terra, por ser de magna importância política a transformação de Goa em paraíso artificial. E uma vez estabelecida em Goa esta “roda de fortuna” com o concurso de capitais estrangeiros, os interessados no magno negócio tudo farão para que o novo Paraíso não seja um “Paraíso Perdido”, e desse modo ajudarão o jogo dos imperialistas para quem as águas turvas são sumamente propícias para os seus manejos inconfessáveis.
   Urge, pois, que todos nós goeses nos unamos, se não queremos que a Nossa terra se consuma, e com ela todos nós, no fogo calcinante da orgia, do jogo, do vício e degradação.»



* «ALGEMAS & GRILHETAS (Páginas de crítica & combate) (1951-1952)
Telo de Mascarenhas, edições “Ressurge, Goa!”, 1952, pp.280-283

JFSR 2016

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