domingo, 10 de abril de 2016

A Revolta dos Ranes de 1912



A Revolta dos Ranes de 1912


"Em 1912 novamente se insurgiram os ranes por o governo não ter atendido à sua reclamação contra as alvidrações de terrenos cultivados, que alegavam terem sido muito alteadas nesse ano por ordem do comandante militar de Satari.
Couceiro da Costa
 O Governador Couceiro da Costa, empregando o melhor da sua actividade, requisitou uma companhia de landins, que veio auxiliar a  nossa tropa, e, perseguindo com esta fôrça os bandidos, conseguiu finalmente acabar a insubordinação com a prisão dos seus chefes e principais consócios na canhoneira Sado, donde, com todas as formalidades  legais*, saíram deportados para a Ilha do Príncipe."

 *(sic)




[Francisco Manuel Couceiro da Costa (1870-1925)  foi o 114.º Governador da Índia Portuguesa, entre 1910 e 1917, o primeiro após a Proclamação da República] Portuguesa



P.e M.J. Gabriel de Saldanha, HISTÓRIA DE GOA vol.I História Política,2.ª edição, Casa Editora Livraria Coelho, Nova-Goa, 1925, Bastorá- Tipografia Rangel, p.330


















Soldado indígena-Índia



A respeito da deportação destes revoltosos, e da sua passagem por Moçambique, é interessante a nota redigida pelo jornalista João Albasini no jornal O Africano, que se editava em Lourenço Marques:



OS MISERÁVEIS
“o mal peor é o haver nascido…”(Do livro de “Job”)

(…) Lemos n’um jornal que havia sido apresentada no parlamento uma lei de amnistia aos “revoltosos de Satary” e esta notícia fez nos lembrar na scena presenciada no dia 19 de Março d’este anno da graça, 3.º da República, na ponte caes, quando o vapor África se preparava para largar: aquela ignóbil cambada de revoltosos da Índia, umas míseras carcaças humanas cheias de fome, tossindo desabaladamente a sua pulmoeira, que embarcava para S. Thomé com as pernas felpudas de arranhões à mostra, de surrado e nojento langotim ou trapo a tapar-lhes as partes pudendas ou, mais propriamente a attrahir os olhares dos espectadores para as ditas partes.
“Aquelles bandidos, aquellla canalha, aquelles malandrões, aquellas feras” – explicou alguém ao nosso lado – aquelles miseráveis eram os “bandidos de Satary”… Cumprimentamos os vencidos que de cócoras e de langotim, olhavam estarrecidos para a força armada da Guarda Cívica que os conduzira até à ponte!
E pela nossa mente perpassou aquela página fulgente de ironia em que o brilhante Eça fustigou a comédia das revoltas da Índia… que tanto assustavam os patriotas e tão bons resultados pecuniários davam aos “paclés e fringuis”!...
Os “bandidos de Satary”! Que assumpto para um Poema Herói-cómico se na verdade à sombra de uma pretensa defesa de territórios se não estivesse tripudiando em cima de uns desgraçados nus, farrapos miseráveis da humanidade, tão cheios de fome como sedentos de Justiça!
Justiça! Ficção grotesca!
Méra ficção! Embuste espectaculoso com que uma Nação com estandartes, bandeiras, charangas e foguetes, empolgou territórios e bens, promettendo a distribuição equitativa dos bens materiais e moraes, o derramamento da sua civilização!
(…) Antigamente, nos tempos da “outra senhora” – n’aquelle abominável regime da adoração da Cruz – estes “bandidos” eram acima de tudo profundamente odiados pelo christãos – que é toda a Goa – por essas ruins tendências de adorar não sei que, e não poder passar sem comer…tornando o alimento mais caro…
Hoje, com o haver decretado o Sr. Affonso Costa a egualdade perante Deus, desinteressando-se da sorte de todos os Deuses succedeu o que era de prever: fraquejou o Deus menos forte e o gentio “Rhane” continuou a “levar para o seu tabaco”  - para maior glória e triumpho da Democracia!... – que é como os antigos diziam “Ad-Majorem Dei Gloria”!
(…) Tratou-se pela vigésima vez de reprimir a mesma rebelião periódica originada pelas exigências absurdas e flagrante injustiça de não quererem conceder aos naturaes o pão a que todo o vivente tem direito!
(…) Os bandidos e revoltosos da índia são o producto refinado das injustiças e poucas vergonhas! Hoje é a Índia – amanhã será Moçambique!
(…) “Bandidos, revoltosos” são designações sonoras, mas erradas.
(…) Houvesse uma balança para aferição moral; houvesse um tribunal onde estas questões se derimissem e nós veríamos quem eram os “bandidos de Satary”.
Bem dizia Oliveira Martins que a história da nossa dominação no Oriente é um monumento de ignomínia…

João Albasini, in O AFRICANO, Ano III número 101 Lourenço Marques 12 de Abril de 1913, Director: João Albasini Adm.Secret.: João dos Santos Rufino editor: José Albasini

JFSR 2016
 






 

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