A Revolta dos Ranes de 1912
"Em 1912 novamente se insurgiram os ranes por o governo não
ter atendido à sua reclamação contra as alvidrações de terrenos cultivados, que
alegavam terem sido muito alteadas nesse ano por ordem do comandante militar de
Satari.
Couceiro da Costa |
O Governador Couceiro da Costa, empregando o melhor da sua actividade,
requisitou uma companhia de landins,
que veio auxiliar a nossa tropa, e, perseguindo
com esta fôrça os bandidos, conseguiu finalmente acabar a insubordinação com a
prisão dos seus chefes e principais consócios na canhoneira Sado, donde, com todas as
formalidades legais*, saíram deportados
para a Ilha do Príncipe."
*(sic)
[Francisco Manuel Couceiro da Costa (1870-1925) foi o 114.º Governador da Índia Portuguesa, entre 1910 e 1917,
o primeiro após a Proclamação da República] Portuguesa
P.e M.J. Gabriel de Saldanha, HISTÓRIA DE GOA vol.I História
Política,2.ª edição, Casa Editora Livraria Coelho, Nova-Goa, 1925, Bastorá-
Tipografia Rangel, p.330
Soldado indígena-Índia |
A respeito da deportação destes revoltosos, e da sua passagem por Moçambique, é interessante a nota redigida pelo jornalista João Albasini no jornal O Africano, que se editava em Lourenço Marques:
OS
MISERÁVEIS
“o mal peor é o haver nascido…”(Do livro de “Job”)
(…) Lemos n’um jornal que havia sido apresentada no parlamento
uma lei de amnistia aos “revoltosos de Satary” e esta notícia fez nos lembrar na
scena presenciada no dia 19 de Março d’este anno da graça, 3.º da República, na
ponte caes, quando o vapor África se
preparava para largar: aquela ignóbil cambada de revoltosos da Índia, umas míseras
carcaças humanas cheias de fome, tossindo desabaladamente a sua pulmoeira, que
embarcava para S. Thomé com as pernas felpudas de arranhões à mostra, de surrado
e nojento langotim ou trapo a tapar-lhes as partes pudendas ou, mais
propriamente a attrahir os olhares dos espectadores para as ditas partes.
“Aquelles bandidos, aquellla canalha, aquelles malandrões,
aquellas feras” – explicou alguém ao nosso lado – aquelles miseráveis eram os “bandidos
de Satary”… Cumprimentamos os vencidos que de cócoras e de langotim, olhavam estarrecidos
para a força armada da Guarda Cívica que os conduzira até à ponte!
E pela nossa mente perpassou aquela página fulgente de
ironia em que o brilhante Eça fustigou a comédia das revoltas da Índia… que tanto
assustavam os patriotas e tão bons resultados pecuniários davam aos “paclés e
fringuis”!...
Os “bandidos de Satary”! Que assumpto para um Poema Herói-cómico
se na verdade à sombra de uma pretensa defesa de territórios se não estivesse tripudiando
em cima de uns desgraçados nus, farrapos miseráveis da humanidade, tão cheios
de fome como sedentos de Justiça!
Justiça! Ficção grotesca!
Méra ficção! Embuste espectaculoso com que uma Nação com
estandartes, bandeiras, charangas e foguetes, empolgou territórios e bens,
promettendo a distribuição equitativa dos bens materiais e moraes, o derramamento
da sua civilização!
(…) Antigamente, nos tempos da “outra senhora” – n’aquelle
abominável regime da adoração da Cruz – estes “bandidos” eram acima de tudo
profundamente odiados pelo christãos – que é toda a Goa – por essas ruins tendências
de adorar não sei que, e não poder passar sem comer…tornando o alimento mais
caro…
Hoje, com o haver decretado o Sr. Affonso Costa a egualdade
perante Deus, desinteressando-se da sorte de todos os Deuses succedeu o que era
de prever: fraquejou o Deus menos forte e o gentio “Rhane” continuou a “levar
para o seu tabaco” - para maior glória e
triumpho da Democracia!... – que é como os antigos diziam “Ad-Majorem Dei
Gloria”!
(…) Tratou-se pela vigésima vez de reprimir a mesma rebelião
periódica originada pelas exigências absurdas e flagrante injustiça de não quererem
conceder aos naturaes o pão a que todo o vivente tem direito!
(…) Os bandidos e revoltosos da índia são o producto
refinado das injustiças e poucas vergonhas! Hoje é a Índia – amanhã será
Moçambique!
(…) “Bandidos, revoltosos” são designações sonoras, mas
erradas.
(…) Houvesse uma balança para aferição moral; houvesse um
tribunal onde estas questões se derimissem e nós veríamos quem eram os “bandidos
de Satary”.
Bem dizia Oliveira Martins que a história da nossa dominação
no Oriente é um monumento de ignomínia…
João Albasini, in O AFRICANO, Ano III número 101 Lourenço
Marques 12 de Abril de 1913, Director: João Albasini Adm.Secret.: João dos Santos
Rufino editor: José Albasini
JFSR 2016
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