segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

PRIMEIROS-MINISTROS DE PORTUGAL DE ORIGEM GOESA



PRIMEIROS-MINISTROS DE PORTUGAL DE ORIGEM GOESA

«DE CEUTA A TIMOR», Luís Filipe F. R. Thomaz*


Memória e Sociedade
DIFEL Difusão Editorial S.A.,1994

Cap.VII.Goa:Uma Sociedade Luso-Indiana III.A Diáspora Goesa  p.282




Marcello Caetano


«(…) assinale-se ainda que dois primeiros-ministros de Portugal eram de origem goesa: Marcello Caetano** (1968-74), originário de Assagão (Bardez) 







 e Nobre da Costa (1978) proveniente de uma família brâmane de Salcete.»(p.284)


Eng.º Nobre da Costa
Alfredo Jorge Nobre da Costa (Lisboa, 10 de Setembro de 1923 — Lisboa, 4 de Fevereiro de 1996). Neto paterno de Alfredo da Costa***.
Licenciou-se em Engenharia Mecânica no Instituto Superior Técnico da Universidade Técnica de Lisboa em 1946. Iniciou a sua carreira profissional no Grupo Champallimaud, passando pela direcção da Fábrica de Cimentos Tejo, Fábrica de Cimentos Cabo Mondego, e Cimentos de Leiria.
Em 1962, ingressou na Siderurgia Nacional como administrador técnico. Abandonou o Grupo Champalimaud para criar a Lusotecna, em 1965, ao mesmo tempo que foi nomeado administrador da EFACEC.
Em 1972 foi escolhido para presidir ao Conselho de Administração da SACOR, cargo que abandonou em 1974, já depois do 25 de Abril.
Participou no VI Governo Provisório, e no I Constitucional, presidido por Mário Soares,como independente.
Foi o Primeiro-Ministro do III Governo Constitucional de Portugal, que tomou posse a 29 de Agosto de 1978, tendo sido constituído por iniciativa do Presidente da República Ramalho Eanes. Na sequência da rejeição do seu Programa de Governo pela Assembleia da República a 14 de Setembro de 1978, o Executivo terminou o seu mandato a 22 de Novembro de 1978.

*Luís Filipe Thomaz

**O que se nos afigura mais estranho é o RUMOR de que Marcelo Caetano, como o denunciava seu tipo étnico e leptorrinia, seria também um descendente. Carlos Mário Alexandrino da Silva
http://www.portugal-linha.pt/200804141493/fua-frente-de-unidade-angolana-oportunidade-perdida-por-portugal-parte-v/menu-id-141.html 

Alfredo da Costa
***Manuel Vicente Alfredo da Costa (Goa, Salcete, Margão, 28 de Fevereiro de 1859 — Lisboa, 2 de Abril de 1910), mais conhecido por Alfredo da Costa, foi um médico e Professor de Medicina, pioneiro da obstetrícia em Portugal. 











O seu nome é recordado na designação da Maternidade Alfredo da Costa.
Maternidade Alfredo da Costa

quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

DO MANDOVI AO TEJO - O CHIADO





DO MANDOVI AO TEJO – O CHIADO (que em “concanim” quer dizer precisamente ladino, astuto, gozão)



Parafraseando o título do primeiro volume - «Do Tejo ao Mandovi» - das «JORNADAS» de Thomaz Ribeiro, ocorre-me sugerir o percurso inverso, face à multiplicidade de influências culturais recíprocas entre Portugal e Goa.
Vem isto a propósito do fascinante texto-reportagem de Fernando Assis Pacheco(1), publicado na edição de Natal de 1967 da revista “EVA”(2), intitulado «CHIADO – 4 séculos de Lisboa para entendidos e principiantes».
Nele, o autor refere haver sido o poeta “António Ribeiro, nascido nos arredores de Évora por meados do século XVI e morto em Lisboa (de boémia, supõe-se) no ano de 1591”, que deu o nome ao Chiado.
Professou na Ordem dos Franciscanos, na sua cidade natal, até ter optado por abandonar a vida de clausura. De Évora partiu para Lisboa, onde o seu talento com as palavras o tornou conhecido na zona lisboeta do Chiado. Segundo as descrições, seguiu uma vida de celibato, vestindo-se sempre com um hábito clerical.
Durante a sua vida gozou de grande popularidade não só por ser poeta jocoso e satírico, contemporâneo de Luís Vaz de Camões, mas também por ser um exímio improvisador e imitador das vozes e dos gestos de figuras conhecidas dessa época.
Mas era um homem malicioso, dado ao verso picante. Daí o Chiado, que em concanim (3) quer dizer precisamente ladino, astuto, gozão.
António Ribeiro (Chiado) não morava no Chiado, mas na Rua Direita das Portas de Santa Catarina, afinal futura Calçada do Chiado.

Feito estátua, com o hábito franciscano (que usou por teimosia até morrer), em bronze, da autoria de Costa Motta (tio),sentado em pedra, com plinto quadrangular em pedra lioz de José Alexandre Soares, foi colocado por iniciativa da vereação municipal, que desta forma quis prestar homenagem a António Ribeiro, conhecido com o nome de uma das mais conhecidas zonas de Lisboa, o Chiado, por aí morar.O poeta retratado, envergando o hábito de monge que se julga nunca ter abandonado, aparece numa postura de animada conversa, parecendo interpelar quem passa.


Alberto Pimentel (4), corrobora que “foi o poeta que, por consenso espontaneo do povo ,deu o nome de Chiado à antiga Rua da Porta de Santa Catharina ou a parte d’ella”. “A vida azevieira do poeta Chiado, anecdotas passadas entre o povo e com o povo, das quais resulta que elle foi um bohemio tão acabado e popular do século XVI como Bocage no veio a ser no século XVIII,(…) acodem a reforçar a prova (…) de haver sido elle que celebrizou a rua onde morava, e que por esse facto, sem que alguém o decretasse, mas porque todos  assentiram, ficou a alcunha do poeta tradicionalmente ligada à rua como um padrão de celebridade local.”
E, não obstante a Câmara Municipal mudar em 1880 o nome à rua de Chiado para Garrett, o povo não quis saber de reviravoltas de letreiros nas esquinas: continua a chamar-lhe Chiado.
“Quanto à significação da palavra chiado não há dúvida. Na revista Lusitana VI, 79, encontra-se um estudo intitulado – Dialecto indo-português de Goa -, auctor Monsenhor Sebastião Rodolpho Dalgado (sic), no qual estudo se lê: «Chiado, astuto, ladino». «Não é porque eu seja mais chiado, astuto do que os outros. Do k., sanks chhadmin». Mas, sem recorrermos ao concanim, o nosso verbo «chiar» e o particípio podem dar ideia de um sujeito de «ruidosa» reputação como bargante e dizidor.”

(1) Fernando Assis Pacheco nasceu em Coimbra no dia 1 de Fevereiro de 1937.Licenciado em Filologia Germânica pela Universidade de Coimbra, foi poeta, ficcionista, jornalista e crítico. Publicou o primeiro livro de poesia em Coimbra, em 1963: “Cuidar dos Vivos”, poesia de intervenção política, de luta contra a guerra colonial.
Nunca conheceu outra profissão que não fosse o jornalismo. Deixou a sua marca no “Diário de Lisboa”, na “República” e no “JL: Jornal de Letras, Artes e Ideias”. Foi chefe de Redacção de “O Jornal”, semanário onde durante dez anos exerceu crítica literária. Colaborou também no “Se7e” e na revista “Visão”. Traduziu para português obras de Pablo Neruda e Gabriel Garcia Marquez.
Morreu em Lisboa, com 58 anos, à porta da Livraria Bucholz em 1995.
(2) Revista feminina, dirigida por Carolina Homem-Christo, que se publicou entre as décadas de 40 a 70 do século XX.
(3) O concani é uma língua indo-ariana derivada do sânscrito falada por toda a região do Concão: Goa, costa sul de Maharashtra, costa de Karnataka e Kerala. O concani é agora a língua oficial do estado de Goa, com o estatuto de lingua oficial na Constituição Indiana.
(4) Pimentel, Alberto: «O Poeta Chiado (Novas investigações sobre a sua vida e escriptos)»


JFSR,08-12-2016













sexta-feira, 23 de setembro de 2016

«NOSSA TERRA». J. J. DA CUNHA (4)

«NOSSA TERRA». J. J. DA CUNHA

A crise das subsistências na Índia Portuguesa, em 1918

Página XXV
(...) Quando por ocasião da crise de subsistências, em 1918, o govêrno adquiria o arroz em Bombaim e procedia, por conta do Estado, à sua venda, notando eu que havia especulação nos preços, dirigi ao governador, Sr. Freitas Ribeiro, em Conselho do Govêrno, um requerimento, denunciando estas especulações e em seguida publiquei em "O Heraldo" uma nota detalhada dos preços em Bombaim dêste género e de outros de primeira necessidade. Foi suspensa, porisso, a publicação dêsse diário por 2 dias. A situação, porém, salvou-se e os preços dos géneros baixaram.(...)

Páginas  137,141-143

Propostas de Portarias
   Com o fim de imprimir forma prática alguns escritos nossos sobre a agricultura e sôbre outros assuntos económicos formulamos em benefício do país catorze propostas de portarias e apresentâmo-las, ao tempo da crise das subsistências, em 1918, - por intermédio do distinto homem de ciências, publicista e patriota, Sr. Dr. Wolfango da Silva, o qual ao tempo era Vogal do Conselho do Govêrno - ao ex-Governador, Sr. Freitas Ribeiro, que fê-las presentes no mesmo Conselho, o qual discutiu algumas que foram aprovadas.
  
    Sendo necessário acudir ao povo na crise de subsistência que está a atravessar:
   Considerando que um dos meios de melhorar a sua situação é de vender-lhes géneros da 1.ª necessidade por preços possívelmente acessíveis:
   Considerando que os municípios na metrópole têm o seus celeiros criados e regulamentados por decreto n.º4125:
   Considerando que os municípios da Índia britânica e de outras partes do mundo para acudir ao povo, durante a crise de subsistências, teem montado lojas de venda a retalho dos géneros da 1.ª necessidade:
   Considerando que os municípios, vendendo géneros de 1.ª necessidade não haverá nos mercados especulação nos preços dêstes:
   Considerando que aos municípios, como representantes do povo, cabe a obrigação de acudir-lhe em tôdas as crises, mobilizando para êsse fim todos os recursos; e, esta é, por isso, um das suas essenciais e simpáticas funções:
Freitas Ribeiro *
   O Governador Geral do Estado da Índia, tendo em vista o relatório da comissão das subsistências, publicado no Bol. Of. n.º38, de 10 de Maio último e com o voto afirmativo do Conselho do Govêrno, determina o seguinte:
   Art. 1.º As municipalidades das Ilhas, Salsete e Bardez levantem, cada uma desde já um empréstimo té de 20,000 rupias e as das Novas Conquistas, Damão, Pragaña e Diu até de 10,000 rupias cada, para a aquisição de géneros alimentícios  e outros da 1.ª necessidade que julgarem necessários para consumo dos seus munícipes proletários e outros que dispõem de poucos meios de fortuna.
   Art. 2.º Cada município abra uma ou mais lojas, em que sejam vendidos os géneros da 1.ª necessidade a retalho com lucros desde 2% até 4% para compensação das despesas.
   Art. 3.º Cada município tenha a sua comissão de aquisição de géneros, da qual faça sempre parte o seu tesoureiro.
   Art. 4.º Os tesoureiros dos municípios, sob a sua directa e imediata responsabilidade, fiscalizem diáriamente as contas das lojas, arrecadando dia a dia, para cofre, a receita realizada.
   Art. 5.º Os municípios comprem directamente também no país os géneros nos celeiros dos produtores que excedam às necessidades do consumo dêles, incluindo as futuras sementes.
   Art. 6.º Para êsse fim as colheitas de cereais e legumes serão arroladas pelas Câmaras municipais, servindo de base ao arrolamento o manifesto que os produtores são obrigados a fazer.
   Art. 7.º Os produtores e os proprietários que possuírem cereais e legumes apresentem nas respectivas regedorias dentro de 30 dias a contar da data desta portaria, os manifestos dos mesmos que tiverem em seu poder, por meio de uma declaração em papel avulso, em que indiquem a quantidade do cereal que precisam para o consumo da sua casa, inclusivé para as futuras sementes, justificando a indicação com uma "nota de pessoas que têm a sustentar e da área que pretendem cultivar".
   Art. 8.º O produtor que falsear a declaração incorre na pena do confisco das quantidades sonegadas e será autuado como desobediente.
   Art. 9.º Cada município organizará os regulamentos necessários para o funcionamento das suas lojas.
   Art. 10.º Os municípios pagarão os empréstimos contraídos quando cessar a necessidade de manter as lojas municipais.
    Art. 11.º  Estas determinações entram imediatamente em execução e vigorarão, emquanto não se normalizarem as condições dos mercados mundiais.

   O projecto foi convertido em portaria  n.º 215, publicada no Bol. Of. n.º 24 de 25 de Março de 1919:
   Foi muito tardia esta medida, pois devia ter sido publicada a portaria, emquanto o preço do arroz era mais baixo e não havia restricção de exportação de cereais em Bombaim; não teve por isso, execução a mesma.
   Se as municipalidades levantassem em tempos os empréstimos e, importando por sua conta o arroz, vendessem nas suas lojas montadas, não haveria sórdida especulação da parte de alguns comerciantes que tinham o arroz à venda e os quais chegaram a vender cada saca do cozido a 27 e 28 rupias.
    * Manteve-se a ortografia original 

*José de Freitas Ribeiro (23 de Maio de 1868-3 de Novembro de 1929), Oficial da Armada  e político do tempo da Primeira República. Foi Ministro das Colónias, no governo de Augusto de Vasconcelos Correia (de 13 de Novembro de 1911 até 16 de Junho de 1912) e Ministro da Marinha, no governo de Afonso Cota (de  9 de Janeiro de 1913 a 9 de Fevereiro de 1914). Fez parte da Junta Constitucional de 1915. Foi Capitão-de-mar-e-guerra, e Governador-Geral do Estado da Índia Portuguesa(1917-1919).


quinta-feira, 22 de setembro de 2016

«NOSSA TERRA», J. J. DA CUNHA (3)

 «NOSSA TERRA», J. J. DA CUNHA
Págs.100-103
LÍNGUA VERNÁCULA
   No elenco das suas propostas e sob a rubrica - Ensino Público - a Associação Comercial lembrou ao  Sr. Ministro das Colónias o emprego da língua  concani, subsidiáriamente, para a transmissão de conhecimentos aos alunos nas escolas primárias da província.
   É demais sabido que, à excepção de pouquissimas famílias nas províncias que falam o português em casa, tôdas as mais fazem uso da língua vernácula que é o concani: portanto uma criança que nunca falou e em geral nunca ouviu falar o português, não pode compreender o que lê ou o que o professor lhe explica em português na escola primária. (...)
Vocabulário em Concanim e Português
,Editor Domingos Pó,Nova Goa,1935
Sendo assim, é indispensável que nas escolas primárias os professores empreguem a língua concani, como subsidiária para fazer compreender aos seus alunos os textos de diversas lições: desta forma nem o aluno teria que fazer ingente esforço par compreender a lição, nem o professor teria que se cançar muito e muitas vezes sem resultado prático, para se fazer compreender. Com êste sistema de ensinar e aprender as primeiras letras, lucravam tanto o professor como o aluno.
   É assim que se leccionava o ensino primário mesmo nesta terra antes que o regulamento de 1880 proibisse a professores e alunos comunicarem-se em outra língua, que não fosse a portuguesa.(...)
* Manteve-se a ortografia original 
Taboada e Vocabulário,por Armando Viegas,Editor Pe.Mariano Pereira,Nova Goa 1952
Elementos Gramaticais da Língua Concani,Cónego José de S.Rita e Souza,A.G.C.,Lisboa,1929

 

quarta-feira, 21 de setembro de 2016

«NOSSA TERRA», J. J. DA CUNHA (2)

J. J. da Cunha
 JOAQUIM JOÃO DA CUNHA*
 Conhecido vulgarmente por J.J. da Cunha, nasceu  em 23-2-1873,em Parrá, Bardês, e faleceu em Nova Goa a 18-8-1939. Depois de cursar os preparatórios, estudou Direito com o abalizado jurisconsulto Augusto Plácido da Nazaré, de Mapuçá. Foi Secretário de Finanças, dedicando-se depois ao comércio. Foi um dos fundadores da Associação Comercial da Índia Portuguesa, tendo presidido à Direcção, em 1915. Participou no I Congresso Provincial da Índia Portuguesa, em 1916. Fez parte de várias  comissões de estudo nomeadas pelo Governo. Foi um dos redactores de O Comércio, e colaborou com diversos jornais da Índia Portuguesa, e da vizinha Índia, versando assuntos financeiros, económico-sociais e de interesse nacional.
* Avô materno do autor deste blogue

 «NOSSA TERRA - Estudos Económicos, Financeiros, Sociais e Internacionais», Volume I,* J. J. da Cunha
Prefácio: F.A.Wolfango da Silva
Editor: Panduronga Sinai Vardé, com o curso complementar de Ciências e Letras
Tipografia Rangel, Bastorá, Índia Portuguesa, 1939
* Tendo  o autor falecido no mesmo ano da publicação deste volume, não chegou a sair o projectado segundo volume.

RAZÃO DE SER*
Nas horas vagas que me deixam os afazeres profissionais do comércio, os quais me absorvem a maior e a milhor parte do dia, escrevi e continúo ainda a escrever artigos de interêsse público para jornais, pensando princípios e doutrinas e ao mesmo tempo fazendo crítica construtiva e não demolidora. Os assuntos versados nesses artigos são económicos, financeiros, sociais e internacionais.
   Todos esses artigos, se fôssem coligidos em livros, constituiriam 6 volumes de 330 páginas cada. Resolvi, por enquanto, publicar 2 volumes, sendo êste o primeiro. Os artigos tiveram vida efémera nas colunas dos jornais e agora vão perdurar em páginas de livro, para serem lidos por todos quantos quiserem, especialmente pela geração nova, a quem dedico, a fim de ela trabalhar e fazer tudo quanto estiver ao seu alcance pelo progressivo engrandecimento desta pitoresca e histórica nesga de terra, digna de milhor sorte, em vista das suas magníficas condições naturais e ilustração dos seus filhos, os quais, unidos entre si e compenetrados da necessidade de sobrepôr os interêsses coletivos aos individuais, podem torná-la próspera.
   Exposta a razão de ser dêste livro que vai circular ouso esperar para êle o milhor e o mais amplo acolhimento.

   Dividi o livro em 4 capítulos: Estudos Económicos, Financeiros, Sociais e Internacionais, a fim de tornar fácil a sua leitura do assuntos, indicando, no fim da cada artigo, a data em que foi publicado.
   Cada um dos artigos representa a minha modesta opinião que fui expondo livremente dentro de bôas normas jornalísticas, em estilo chão e linguagem  clara para ser fácilmente compreendido até pelo estudantes de português, faltando-me vagar para retocar e burilar frases, mas sempre assinando-os e desta forma assumindo a sua responsabilidade. (...)
Nova-Goa, Dezembro de 1938
J. J. da Cunha 
* Manteve-se a ortografia original

«NOSSA TERRA», J. J. DA CUNHA (1)

A crise das subsistências na Índia Portuguesa, em 1918

«NOSSA TERRA - Estudos Económicos, Financeiros, Sociais e Internacionais», J.J.da Cunha
Prefácio: F.A.Wolfango da Silva
Editor: Panduronga Sinai Vardé, com o curso complementar de Ciências e Letras
Tipografia Rangel, Bastorá, Índia Portuguesa, 1939

PREFÁCIO
  "(...) Foi um feliz acaso que me pôz em contacto com o Sr. J.J. da Cunha.
   Em 1917, esta pequenina Índia participava dos grandes cataclismos que assolavam o mundo inteiro. Ao lado da terrível pandemia gripal que felizmente nesta colónia produziu o mínimo de estragos em vidas humanas e nos serviços, principiava a desenhar-se a perspectiva da fome pela insuficiência da produção do arroz e pelas dificuldades da importação dêste género de primeira necessidade.(...)
   Governava nessa ocasião a Índia Portuguesa o Sr. Freitas Ribeiro, espírito desempoeirado, audacioso, homem de acção e pouco amigo de diplomacia e de frases protocolares. (...)
   Em uma das nossas conversas íntimas tão frequentes no Palácio do Cabo, disse-me S. Excia. "Vou confiar-lhe a presidência de uma comissão para resolver a crise das subsistências nesta Índia. Hoje é a crise que se esboça, amanhã é a fome com tôda a sua crueza."(...)
   A Portaria da nomeação da Comissão para resolver o problema da crise das subsistências era de 28 de Janeiro de 1918. Convoquei imediatamente a comissão na ala da Junta de Saúde e em duas sessões lançaram-se as bases das medidas a serem propostas ao Gôverno. Foi o Sr. J. J. da Cunha encarregado de apresentar o relatório. As discussões correram felizmente na maior cordialidade e davamos por finda a nossa missão.
   O relatório do Sr. Cunha e os projectos perfilhados pela Comissão em 13 de Março e enviados ao Gôverno no mesmo dia, só foram publicados no Boletim Oficial de 10 de Maio, e um outro projecto do mesmo Sr. Cunha apresentado na mesma sessão da Comissão foi convertido em Portaria e publicado no B. O. de 23 de Abril.(...)
   Este livro na sua modéstia espelha os verdadeiros sentimentos do seu autor e revela o amor que êle tem à terra do seu berço. As medidas que apresentou para a salvação a pátria numa emergência gravíssima, deram optimos resultados e junto com a outras promulgadas pela mão firme do Sr. Freitas Ribeiro, a onda da crise famínea passou sem ninguém dar por isso.(...) E nem uma palavra de louvor ou de estímulo pelo ardente patriotismo do Sr. Cunha que pensa sempre no engrandecimento moral e material da sua terra.

O que mais admiro no Sr. Cunha é a firmeza do seu carácter e a sinceridade dos seus actos. Não se limitou o Sr. Cunha a cumprir as suas obrigações oficiais como membro da Comissão, mas seguiu a questão com o maior interesse e solicitude fóra do âmbito oficial. Deu a prova disso no seu requerimento dirigido ao Sr. Governador Geral na plena sessão do Conselho do Govêrno protestando contra a sórdida especulação dos vendedores de arroz que faziam negócio com a fome dos habitantes desta Índia.

Francisco António Wolfango da Silva

Li o livro todo. Pensei em fazer juízo crítico das ideias do autor prestando a devida homenagem às suas intenções. Em muitos assuntos nêle discutidos, o Sr. Cunha vê bem e vê longe. É o conhecimento profundo das necessidades dêste povo com quem o ilustre autor etá em contacto permanente. É o seu intenso amor ao torrão natal, que o levam a expôr as suas ideias e pedir o  remédio aos males que impedem o progresso desta colónia digna de melhor sorte. O tempo far-lhe-á a devida justiça.(...)"
   Nova-Goa, Dezembro de 1938
   F. A. Wolfango da Silva







sexta-feira, 26 de agosto de 2016

O «LUSO-TROPICALISMO»



O «LUSO-TROPICALISMO»

O Estado Novo português, no período posterior ao fim da Segunda Guerra Mundial, utilizou o luso-tropicalismo, “quase-teoria” desenvolvida pelo  sociólogo brasileiro Gilberto Freyre (Recife, 1900-1987) sobre a relação de Portugal com os trópicos.
Uma «arqueologia» do luso-tropicalismo revela que as suas bases começaram a ser lançadas em Casa-grande & senzala (1933), considerado um dos “livros que inventaram o Brasil”.
Em traços gerais, o luso-tropicalismo postula a especial capacidade de adaptação dos portugueses aos trópicos, não por interesse político ou económico, mas por empatia inata e criadora. A aptidão do português para se relacionar com as terras e gentes tropicais, a sua plasticidade intrínseca, resultaria da sua própria origem étnica híbrida, da sua “bi-continentalidade” e do longo contacto com mouros e judeus na Península Ibérica, nos primeiros séculos da nacionalidade, e manifesta-se sobretudo através da miscigenação e da interpenetração de culturas.
Em Portugal, até ao fim da Segunda Guerra Mundial, o pensamento de Gilberto Freyre apenas conheceu uma boa recepção no campo cultural. Da parte do poder político oscilou-se entre a rejeição implícita e a crítica aberta. O principal motivo de discordância relativamente à teoria de Gilberto Freyre radica na importância que o autor confere à mestiçagem.
Portugal, confrontado a partir de 1945 com a pressão internacional favorável à autodeterminação dos territórios coloniais, tentará delinear uma argumentação capaz de legitimar a manutenção do status quo nas colónias portuguesas. Esse processo de legitimação do colonialismo português exigirá alterações na legislação, uma reformulação doutrinária e medidas inéditas de fomento económico em Angola e Moçambique.


Gilberto Freyre inicia uma visita por “terras lusitanas”, a convite do ministro do Ultramar Sarmento Rodrigues. O objectivo da viagem é dar a conhecer ao sociólogo brasileiro o ultramar português, para que ele o percorra “com olhos de homem de estudo” e, depois, produza um trabalho de reflexão sobre as realidades observadas. Será durante esta viagem que o sociólogo brasileiro usará pela primeira vez a expressão «luso-tropical» para caracterizar o modo de adaptação do português aos trópicos. 





                                                                               O registo de toda esta itinerância encontra-se assinalada em «Aventura e Rotina»(Livraria José Olympio Editora, Rio de Janeiro, 1953).


O Estado Novo soube apropriar-se de algumas máximas luso-tropicalistas para se defender das pressões da comunidade internacional, sobretudo no quadro da ONU (Portugal integra esta organização em 1955), mas também em campanhas de propaganda do país no exterior, nas declarações dos altos representantes da nação à imprensa estrangeira e nos circuitos diplomáticos.
Tudo indica, portanto, que a partir de meados da década de 1950 se verifica um esforço sistemático por parte do MNE de doutrinação dos diplomatas portugueses no luso-tropicalismo. O objectivo é muni-los de argumentos (supostamente) científicos, alicerçados na história, na sociologia e na antropologia, capazes de legitimar a presença de Portugal em África, na Índia, em Macau e em Timor.
 A necessidade de difundir e afirmar o luso-tropicalismo nas Nações Unidas torna-se ainda mais premente depois do início da guerra colonial em Angola e da ocupação de Goa, Damão e Diu pela União Indiana. Tudo indica que o luso-tropicalismo foi surtindo efeitos no exterior, pelo menos até ao início da luta armada pela independência de Angola. A partir então, tornar-se-ia cada vez mais difícil à diplomacia portuguesa sustentar a posição anacrónica do Governo de Lisboa.
Nas margens do discurso oficial, o luso-tropicalismo vai encontrando receptividade junto de especialistas de diversas áreas do saber: Jorge Dias (antropologia), Orlando Ribeiro e Francisco José Tenreiro (geografia), Adriano Moreira (ciência política), Mário Chicó (história da arte), Henrique de Barros (agronomia), Almerindo Lessa (ecologia humana); António Quadros (filosofia), etc.
Adriano Moreira desempenha um papel fundamental nesse processo, na qualidade de professor e director do Instituto Superior de Estudos Ultramarinos, depois Instituto Superior de Ciências Sociais e Política Ultramarina (instituição de ensino superior que preparava os quadros da Administração ultramarina); e como director do Centro de Estudos Políticos e Sociais (CEPS) da Junta de Investigações do Ultramar (JIU), adstrito ao referido instituto.
No contexto das guerras de libertação de Angola, Guiné e Moçambique os governos coloniais e as Forças Armadas sentiram necessidade de desenvolver um conjunto de iniciativas político-sociais tendentes a granjear apoio entre as populações submetidas ao colonialismo português e a reduzir a base de apoio dos movimentos independentistas, bem como a "educar" os colonos nos valores da tolerância racial e dos direitos humanos. Entre os objectivos gerais da Acção Psicossocial figurava a promoção do entendimento entre pessoas de diferentes «raças» e de várias religiões, “dentro de princípios de humanidade, justiça e respeito pelos valores tradicionais, numa afirmação constante do conceito de luso-tropicalismo, que nos distingue de outras nações”.
Com o início da guerra em Angola, e a chegada de Adriano Moreira ao Ministério do Ultramar, foi promulgado um pacote de medidas legislativas inspiradas no luso-tropicalismo. No novo contexto, procurou-se igualmente incutir nos portugueses a ideia da benignidade da colonização lusa ou, de forma mais eufemística, “do modo português de estar no mundo”. A propaganda encarregou-se disso, de forma incansável: era urgente moldar o pensamento para conformar a acção, sobretudo dos colonos e dos agentes do poder colonial no terreno. Desde então, uma versão simplificada do luso-tropicalismo foi entrando no imaginário nacional contribuindo para a consolidação da auto-imagem em que os portugueses melhor se revêem: a de um povo tolerante, fraterno, plástico e de vocação ecuménica.
A partir de meados da década de 50, sucedem-se os avisos à navegação por parte de alguns cientistas que alertam para um “desvio” do comportamento dos colonos relativamente à “tradição” portuguesa.
No relatório confidencial da missão de estudo da JIU que empreendeu a Goa, em 1956, Orlando Ribeiro revela à sociedade a reduzida influência cultural portuguesa, a fraca implantação da língua, a debilidade da Igreja católica, o papel insignificante da mestiçagem .
No mesmo ano, no relatório confidencial elaborado pelo antropólogo Jorge Dias, relativa aos trabalhos da Missão de Estudos das Minorias Étnicas do Ultramar Português, percebe-se que em Moçambique os mestiços são tratados como indígenas e a maioria dos colonos considera os negros seres inferiores. Em 1959, Jorge Dias dirige uma nova campanha da Missão de Estudo das Minorias Étnicas do Ultramar Português. O relatório confidencial, enviado ao presidente do Conselho, volta a denunciar os casos de segregação racial.
Se a doutrina que formulou deu lugar a um séquito de admiradores e discípulos, também não deixou, ao mesmo tempo, de ser objecto de polémica no domínio da antropologia e de contestação no plano político.
A primeira crítica frontal surgiu em 1955 e deve-se a Mário Pinto de Andrade (numa reunião internacional promovida em França, por iniciativa de Roger Bastide), ao desmontar a concepção da pátria pluricontinental e multiracial que serviu de apoio à doutrinação e acção política do salazarismo e do marcelismo. Recorde-se, a propósito, que Gilberto Freyre, frequentemente hóspede de honra dos governos de Salazar e de Marcelo Caetano,não teve, que se saiba, antes e depois do 25 de Abril, qualquer afirmação categórica que o demarcasse desse aproveitamento.
"CORREIO Unesco" Jan 1974.Premonitório!...
É, sobretudo, como projecto que a ideia de comunidade luso-tropical sobreviveu ao seu autor, após o fim do império português. E vivifica agora na Comunidade de Países de Língua Portuguesa e no discurso político e ideológico mais consensual sobre a posição de Portugal no mundo. O risco actual está em continuar a ser usado como dispositivo retórico, numa perspectiva acrítica e imobilista. Ontem, para legitimar o colonialismo português; hoje, para alimentar o mito da tolerância racial dos portugueses e até de um nacionalismo português integrador e universalista, em contraponto aos «maus» nacionalismos, fechados, etnocêntricos e xenófobos.

Fontes: 
Castelo, Cláudia. A ler/ 5 Março 2013 | angola, Brasil, goa, Guiné-Bissau, lusotropicalismo, Portugal

http://www.buala.org/pt/a-ler/o-luso-tropicalismo-e-o-colonialismo-portugues-tardio
Valdemar, António: "Repensar Giberto Freyre, Avenida da Liberdade; Diário de Notícias, 9 de Abril 2000