quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

DO MANDOVI AO TEJO - O CHIADO





DO MANDOVI AO TEJO – O CHIADO (que em “concanim” quer dizer precisamente ladino, astuto, gozão)



Parafraseando o título do primeiro volume - «Do Tejo ao Mandovi» - das «JORNADAS» de Thomaz Ribeiro, ocorre-me sugerir o percurso inverso, face à multiplicidade de influências culturais recíprocas entre Portugal e Goa.
Vem isto a propósito do fascinante texto-reportagem de Fernando Assis Pacheco(1), publicado na edição de Natal de 1967 da revista “EVA”(2), intitulado «CHIADO – 4 séculos de Lisboa para entendidos e principiantes».
Nele, o autor refere haver sido o poeta “António Ribeiro, nascido nos arredores de Évora por meados do século XVI e morto em Lisboa (de boémia, supõe-se) no ano de 1591”, que deu o nome ao Chiado.
Professou na Ordem dos Franciscanos, na sua cidade natal, até ter optado por abandonar a vida de clausura. De Évora partiu para Lisboa, onde o seu talento com as palavras o tornou conhecido na zona lisboeta do Chiado. Segundo as descrições, seguiu uma vida de celibato, vestindo-se sempre com um hábito clerical.
Durante a sua vida gozou de grande popularidade não só por ser poeta jocoso e satírico, contemporâneo de Luís Vaz de Camões, mas também por ser um exímio improvisador e imitador das vozes e dos gestos de figuras conhecidas dessa época.
Mas era um homem malicioso, dado ao verso picante. Daí o Chiado, que em concanim (3) quer dizer precisamente ladino, astuto, gozão.
António Ribeiro (Chiado) não morava no Chiado, mas na Rua Direita das Portas de Santa Catarina, afinal futura Calçada do Chiado.

Feito estátua, com o hábito franciscano (que usou por teimosia até morrer), em bronze, da autoria de Costa Motta (tio),sentado em pedra, com plinto quadrangular em pedra lioz de José Alexandre Soares, foi colocado por iniciativa da vereação municipal, que desta forma quis prestar homenagem a António Ribeiro, conhecido com o nome de uma das mais conhecidas zonas de Lisboa, o Chiado, por aí morar.O poeta retratado, envergando o hábito de monge que se julga nunca ter abandonado, aparece numa postura de animada conversa, parecendo interpelar quem passa.


Alberto Pimentel (4), corrobora que “foi o poeta que, por consenso espontaneo do povo ,deu o nome de Chiado à antiga Rua da Porta de Santa Catharina ou a parte d’ella”. “A vida azevieira do poeta Chiado, anecdotas passadas entre o povo e com o povo, das quais resulta que elle foi um bohemio tão acabado e popular do século XVI como Bocage no veio a ser no século XVIII,(…) acodem a reforçar a prova (…) de haver sido elle que celebrizou a rua onde morava, e que por esse facto, sem que alguém o decretasse, mas porque todos  assentiram, ficou a alcunha do poeta tradicionalmente ligada à rua como um padrão de celebridade local.”
E, não obstante a Câmara Municipal mudar em 1880 o nome à rua de Chiado para Garrett, o povo não quis saber de reviravoltas de letreiros nas esquinas: continua a chamar-lhe Chiado.
“Quanto à significação da palavra chiado não há dúvida. Na revista Lusitana VI, 79, encontra-se um estudo intitulado – Dialecto indo-português de Goa -, auctor Monsenhor Sebastião Rodolpho Dalgado (sic), no qual estudo se lê: «Chiado, astuto, ladino». «Não é porque eu seja mais chiado, astuto do que os outros. Do k., sanks chhadmin». Mas, sem recorrermos ao concanim, o nosso verbo «chiar» e o particípio podem dar ideia de um sujeito de «ruidosa» reputação como bargante e dizidor.”

(1) Fernando Assis Pacheco nasceu em Coimbra no dia 1 de Fevereiro de 1937.Licenciado em Filologia Germânica pela Universidade de Coimbra, foi poeta, ficcionista, jornalista e crítico. Publicou o primeiro livro de poesia em Coimbra, em 1963: “Cuidar dos Vivos”, poesia de intervenção política, de luta contra a guerra colonial.
Nunca conheceu outra profissão que não fosse o jornalismo. Deixou a sua marca no “Diário de Lisboa”, na “República” e no “JL: Jornal de Letras, Artes e Ideias”. Foi chefe de Redacção de “O Jornal”, semanário onde durante dez anos exerceu crítica literária. Colaborou também no “Se7e” e na revista “Visão”. Traduziu para português obras de Pablo Neruda e Gabriel Garcia Marquez.
Morreu em Lisboa, com 58 anos, à porta da Livraria Bucholz em 1995.
(2) Revista feminina, dirigida por Carolina Homem-Christo, que se publicou entre as décadas de 40 a 70 do século XX.
(3) O concani é uma língua indo-ariana derivada do sânscrito falada por toda a região do Concão: Goa, costa sul de Maharashtra, costa de Karnataka e Kerala. O concani é agora a língua oficial do estado de Goa, com o estatuto de lingua oficial na Constituição Indiana.
(4) Pimentel, Alberto: «O Poeta Chiado (Novas investigações sobre a sua vida e escriptos)»


JFSR,08-12-2016













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