sexta-feira, 23 de setembro de 2016

«NOSSA TERRA». J. J. DA CUNHA (4)

«NOSSA TERRA». J. J. DA CUNHA

A crise das subsistências na Índia Portuguesa, em 1918

Página XXV
(...) Quando por ocasião da crise de subsistências, em 1918, o govêrno adquiria o arroz em Bombaim e procedia, por conta do Estado, à sua venda, notando eu que havia especulação nos preços, dirigi ao governador, Sr. Freitas Ribeiro, em Conselho do Govêrno, um requerimento, denunciando estas especulações e em seguida publiquei em "O Heraldo" uma nota detalhada dos preços em Bombaim dêste género e de outros de primeira necessidade. Foi suspensa, porisso, a publicação dêsse diário por 2 dias. A situação, porém, salvou-se e os preços dos géneros baixaram.(...)

Páginas  137,141-143

Propostas de Portarias
   Com o fim de imprimir forma prática alguns escritos nossos sobre a agricultura e sôbre outros assuntos económicos formulamos em benefício do país catorze propostas de portarias e apresentâmo-las, ao tempo da crise das subsistências, em 1918, - por intermédio do distinto homem de ciências, publicista e patriota, Sr. Dr. Wolfango da Silva, o qual ao tempo era Vogal do Conselho do Govêrno - ao ex-Governador, Sr. Freitas Ribeiro, que fê-las presentes no mesmo Conselho, o qual discutiu algumas que foram aprovadas.
  
    Sendo necessário acudir ao povo na crise de subsistência que está a atravessar:
   Considerando que um dos meios de melhorar a sua situação é de vender-lhes géneros da 1.ª necessidade por preços possívelmente acessíveis:
   Considerando que os municípios na metrópole têm o seus celeiros criados e regulamentados por decreto n.º4125:
   Considerando que os municípios da Índia britânica e de outras partes do mundo para acudir ao povo, durante a crise de subsistências, teem montado lojas de venda a retalho dos géneros da 1.ª necessidade:
   Considerando que os municípios, vendendo géneros de 1.ª necessidade não haverá nos mercados especulação nos preços dêstes:
   Considerando que aos municípios, como representantes do povo, cabe a obrigação de acudir-lhe em tôdas as crises, mobilizando para êsse fim todos os recursos; e, esta é, por isso, um das suas essenciais e simpáticas funções:
Freitas Ribeiro *
   O Governador Geral do Estado da Índia, tendo em vista o relatório da comissão das subsistências, publicado no Bol. Of. n.º38, de 10 de Maio último e com o voto afirmativo do Conselho do Govêrno, determina o seguinte:
   Art. 1.º As municipalidades das Ilhas, Salsete e Bardez levantem, cada uma desde já um empréstimo té de 20,000 rupias e as das Novas Conquistas, Damão, Pragaña e Diu até de 10,000 rupias cada, para a aquisição de géneros alimentícios  e outros da 1.ª necessidade que julgarem necessários para consumo dos seus munícipes proletários e outros que dispõem de poucos meios de fortuna.
   Art. 2.º Cada município abra uma ou mais lojas, em que sejam vendidos os géneros da 1.ª necessidade a retalho com lucros desde 2% até 4% para compensação das despesas.
   Art. 3.º Cada município tenha a sua comissão de aquisição de géneros, da qual faça sempre parte o seu tesoureiro.
   Art. 4.º Os tesoureiros dos municípios, sob a sua directa e imediata responsabilidade, fiscalizem diáriamente as contas das lojas, arrecadando dia a dia, para cofre, a receita realizada.
   Art. 5.º Os municípios comprem directamente também no país os géneros nos celeiros dos produtores que excedam às necessidades do consumo dêles, incluindo as futuras sementes.
   Art. 6.º Para êsse fim as colheitas de cereais e legumes serão arroladas pelas Câmaras municipais, servindo de base ao arrolamento o manifesto que os produtores são obrigados a fazer.
   Art. 7.º Os produtores e os proprietários que possuírem cereais e legumes apresentem nas respectivas regedorias dentro de 30 dias a contar da data desta portaria, os manifestos dos mesmos que tiverem em seu poder, por meio de uma declaração em papel avulso, em que indiquem a quantidade do cereal que precisam para o consumo da sua casa, inclusivé para as futuras sementes, justificando a indicação com uma "nota de pessoas que têm a sustentar e da área que pretendem cultivar".
   Art. 8.º O produtor que falsear a declaração incorre na pena do confisco das quantidades sonegadas e será autuado como desobediente.
   Art. 9.º Cada município organizará os regulamentos necessários para o funcionamento das suas lojas.
   Art. 10.º Os municípios pagarão os empréstimos contraídos quando cessar a necessidade de manter as lojas municipais.
    Art. 11.º  Estas determinações entram imediatamente em execução e vigorarão, emquanto não se normalizarem as condições dos mercados mundiais.

   O projecto foi convertido em portaria  n.º 215, publicada no Bol. Of. n.º 24 de 25 de Março de 1919:
   Foi muito tardia esta medida, pois devia ter sido publicada a portaria, emquanto o preço do arroz era mais baixo e não havia restricção de exportação de cereais em Bombaim; não teve por isso, execução a mesma.
   Se as municipalidades levantassem em tempos os empréstimos e, importando por sua conta o arroz, vendessem nas suas lojas montadas, não haveria sórdida especulação da parte de alguns comerciantes que tinham o arroz à venda e os quais chegaram a vender cada saca do cozido a 27 e 28 rupias.
    * Manteve-se a ortografia original 

*José de Freitas Ribeiro (23 de Maio de 1868-3 de Novembro de 1929), Oficial da Armada  e político do tempo da Primeira República. Foi Ministro das Colónias, no governo de Augusto de Vasconcelos Correia (de 13 de Novembro de 1911 até 16 de Junho de 1912) e Ministro da Marinha, no governo de Afonso Cota (de  9 de Janeiro de 1913 a 9 de Fevereiro de 1914). Fez parte da Junta Constitucional de 1915. Foi Capitão-de-mar-e-guerra, e Governador-Geral do Estado da Índia Portuguesa(1917-1919).


quinta-feira, 22 de setembro de 2016

«NOSSA TERRA», J. J. DA CUNHA (3)

 «NOSSA TERRA», J. J. DA CUNHA
Págs.100-103
LÍNGUA VERNÁCULA
   No elenco das suas propostas e sob a rubrica - Ensino Público - a Associação Comercial lembrou ao  Sr. Ministro das Colónias o emprego da língua  concani, subsidiáriamente, para a transmissão de conhecimentos aos alunos nas escolas primárias da província.
   É demais sabido que, à excepção de pouquissimas famílias nas províncias que falam o português em casa, tôdas as mais fazem uso da língua vernácula que é o concani: portanto uma criança que nunca falou e em geral nunca ouviu falar o português, não pode compreender o que lê ou o que o professor lhe explica em português na escola primária. (...)
Vocabulário em Concanim e Português
,Editor Domingos Pó,Nova Goa,1935
Sendo assim, é indispensável que nas escolas primárias os professores empreguem a língua concani, como subsidiária para fazer compreender aos seus alunos os textos de diversas lições: desta forma nem o aluno teria que fazer ingente esforço par compreender a lição, nem o professor teria que se cançar muito e muitas vezes sem resultado prático, para se fazer compreender. Com êste sistema de ensinar e aprender as primeiras letras, lucravam tanto o professor como o aluno.
   É assim que se leccionava o ensino primário mesmo nesta terra antes que o regulamento de 1880 proibisse a professores e alunos comunicarem-se em outra língua, que não fosse a portuguesa.(...)
* Manteve-se a ortografia original 
Taboada e Vocabulário,por Armando Viegas,Editor Pe.Mariano Pereira,Nova Goa 1952
Elementos Gramaticais da Língua Concani,Cónego José de S.Rita e Souza,A.G.C.,Lisboa,1929

 

quarta-feira, 21 de setembro de 2016

«NOSSA TERRA», J. J. DA CUNHA (2)

J. J. da Cunha
 JOAQUIM JOÃO DA CUNHA*
 Conhecido vulgarmente por J.J. da Cunha, nasceu  em 23-2-1873,em Parrá, Bardês, e faleceu em Nova Goa a 18-8-1939. Depois de cursar os preparatórios, estudou Direito com o abalizado jurisconsulto Augusto Plácido da Nazaré, de Mapuçá. Foi Secretário de Finanças, dedicando-se depois ao comércio. Foi um dos fundadores da Associação Comercial da Índia Portuguesa, tendo presidido à Direcção, em 1915. Participou no I Congresso Provincial da Índia Portuguesa, em 1916. Fez parte de várias  comissões de estudo nomeadas pelo Governo. Foi um dos redactores de O Comércio, e colaborou com diversos jornais da Índia Portuguesa, e da vizinha Índia, versando assuntos financeiros, económico-sociais e de interesse nacional.
* Avô materno do autor deste blogue

 «NOSSA TERRA - Estudos Económicos, Financeiros, Sociais e Internacionais», Volume I,* J. J. da Cunha
Prefácio: F.A.Wolfango da Silva
Editor: Panduronga Sinai Vardé, com o curso complementar de Ciências e Letras
Tipografia Rangel, Bastorá, Índia Portuguesa, 1939
* Tendo  o autor falecido no mesmo ano da publicação deste volume, não chegou a sair o projectado segundo volume.

RAZÃO DE SER*
Nas horas vagas que me deixam os afazeres profissionais do comércio, os quais me absorvem a maior e a milhor parte do dia, escrevi e continúo ainda a escrever artigos de interêsse público para jornais, pensando princípios e doutrinas e ao mesmo tempo fazendo crítica construtiva e não demolidora. Os assuntos versados nesses artigos são económicos, financeiros, sociais e internacionais.
   Todos esses artigos, se fôssem coligidos em livros, constituiriam 6 volumes de 330 páginas cada. Resolvi, por enquanto, publicar 2 volumes, sendo êste o primeiro. Os artigos tiveram vida efémera nas colunas dos jornais e agora vão perdurar em páginas de livro, para serem lidos por todos quantos quiserem, especialmente pela geração nova, a quem dedico, a fim de ela trabalhar e fazer tudo quanto estiver ao seu alcance pelo progressivo engrandecimento desta pitoresca e histórica nesga de terra, digna de milhor sorte, em vista das suas magníficas condições naturais e ilustração dos seus filhos, os quais, unidos entre si e compenetrados da necessidade de sobrepôr os interêsses coletivos aos individuais, podem torná-la próspera.
   Exposta a razão de ser dêste livro que vai circular ouso esperar para êle o milhor e o mais amplo acolhimento.

   Dividi o livro em 4 capítulos: Estudos Económicos, Financeiros, Sociais e Internacionais, a fim de tornar fácil a sua leitura do assuntos, indicando, no fim da cada artigo, a data em que foi publicado.
   Cada um dos artigos representa a minha modesta opinião que fui expondo livremente dentro de bôas normas jornalísticas, em estilo chão e linguagem  clara para ser fácilmente compreendido até pelo estudantes de português, faltando-me vagar para retocar e burilar frases, mas sempre assinando-os e desta forma assumindo a sua responsabilidade. (...)
Nova-Goa, Dezembro de 1938
J. J. da Cunha 
* Manteve-se a ortografia original

«NOSSA TERRA», J. J. DA CUNHA (1)

A crise das subsistências na Índia Portuguesa, em 1918

«NOSSA TERRA - Estudos Económicos, Financeiros, Sociais e Internacionais», J.J.da Cunha
Prefácio: F.A.Wolfango da Silva
Editor: Panduronga Sinai Vardé, com o curso complementar de Ciências e Letras
Tipografia Rangel, Bastorá, Índia Portuguesa, 1939

PREFÁCIO
  "(...) Foi um feliz acaso que me pôz em contacto com o Sr. J.J. da Cunha.
   Em 1917, esta pequenina Índia participava dos grandes cataclismos que assolavam o mundo inteiro. Ao lado da terrível pandemia gripal que felizmente nesta colónia produziu o mínimo de estragos em vidas humanas e nos serviços, principiava a desenhar-se a perspectiva da fome pela insuficiência da produção do arroz e pelas dificuldades da importação dêste género de primeira necessidade.(...)
   Governava nessa ocasião a Índia Portuguesa o Sr. Freitas Ribeiro, espírito desempoeirado, audacioso, homem de acção e pouco amigo de diplomacia e de frases protocolares. (...)
   Em uma das nossas conversas íntimas tão frequentes no Palácio do Cabo, disse-me S. Excia. "Vou confiar-lhe a presidência de uma comissão para resolver a crise das subsistências nesta Índia. Hoje é a crise que se esboça, amanhã é a fome com tôda a sua crueza."(...)
   A Portaria da nomeação da Comissão para resolver o problema da crise das subsistências era de 28 de Janeiro de 1918. Convoquei imediatamente a comissão na ala da Junta de Saúde e em duas sessões lançaram-se as bases das medidas a serem propostas ao Gôverno. Foi o Sr. J. J. da Cunha encarregado de apresentar o relatório. As discussões correram felizmente na maior cordialidade e davamos por finda a nossa missão.
   O relatório do Sr. Cunha e os projectos perfilhados pela Comissão em 13 de Março e enviados ao Gôverno no mesmo dia, só foram publicados no Boletim Oficial de 10 de Maio, e um outro projecto do mesmo Sr. Cunha apresentado na mesma sessão da Comissão foi convertido em Portaria e publicado no B. O. de 23 de Abril.(...)
   Este livro na sua modéstia espelha os verdadeiros sentimentos do seu autor e revela o amor que êle tem à terra do seu berço. As medidas que apresentou para a salvação a pátria numa emergência gravíssima, deram optimos resultados e junto com a outras promulgadas pela mão firme do Sr. Freitas Ribeiro, a onda da crise famínea passou sem ninguém dar por isso.(...) E nem uma palavra de louvor ou de estímulo pelo ardente patriotismo do Sr. Cunha que pensa sempre no engrandecimento moral e material da sua terra.

O que mais admiro no Sr. Cunha é a firmeza do seu carácter e a sinceridade dos seus actos. Não se limitou o Sr. Cunha a cumprir as suas obrigações oficiais como membro da Comissão, mas seguiu a questão com o maior interesse e solicitude fóra do âmbito oficial. Deu a prova disso no seu requerimento dirigido ao Sr. Governador Geral na plena sessão do Conselho do Govêrno protestando contra a sórdida especulação dos vendedores de arroz que faziam negócio com a fome dos habitantes desta Índia.

Francisco António Wolfango da Silva

Li o livro todo. Pensei em fazer juízo crítico das ideias do autor prestando a devida homenagem às suas intenções. Em muitos assuntos nêle discutidos, o Sr. Cunha vê bem e vê longe. É o conhecimento profundo das necessidades dêste povo com quem o ilustre autor etá em contacto permanente. É o seu intenso amor ao torrão natal, que o levam a expôr as suas ideias e pedir o  remédio aos males que impedem o progresso desta colónia digna de melhor sorte. O tempo far-lhe-á a devida justiça.(...)"
   Nova-Goa, Dezembro de 1938
   F. A. Wolfango da Silva