Miscelânea Goesa
«PAPÉIS DA PRISÃO», José Luandino
Vieira
José
Luandino Vieira, pseudónimo literário de José Vieira Mateus da Graça (Vila Nova
de Ourém, 4 de Maio de 1935), português de nascimento, passou a juventude em Luanda,
onde concluiu os estudos secundários.
Durante a Guerra Colonial, combateu
nas fileiras do MPLA.
Detido pela PIDE, pela primeira vez
em 1959, foi um dos acusados do Processo dos 50, acabando condenado a 14 anos
de prisão, em 1961.
Em 21 de Maio de 1965, encontrando-se
Luandino preso há quatro anos no Campo de Concentração do Tarrafal, a Sociedade
Portuguesa de Escritores, então presidida por Jacinto do Prado Coelho,
atribuiu-lhe o Grande Prémio de Novela pela sua obra «Luuanda».
Luandino Vieira cumpriu a pena de
prisão no Campo do Tarrafal, em
Cabo Verde, regressando a Portugal em 1972, com residência
vigiada em Lisboa. Viria
a trabalhar com o editor Sá Costa até à Revolução de Abril.
Em 1975 regressou a Angola. Foi co-fundador da União dos Escritores Angolanos, de que foi
secretário-geral (1975-1980 e 1985-1992), e secretário-geral adjunto da Associação
dos Escritores Afroasiáticos (1979-1984).
Na sequência das eleições de 1992, e
do reinício da guerra civil angolana, regressou a Portugal.
Radicou-se no Minho, em Vila Nova De
Cerveira, onde vive em isolamento na quinta de um amigo, dedicando-se à agricultura.
Durante os anos de cárcere, José
Luandino Vieira coligiu um acervo de textos constituído por 17 cadernos. O
processo de escrita destes «Papéis» tem como termos cronológicos e fronteiras
espaciais a entrada no Pavilhão Prisional da PIDE em Luanda (1961) e a sua
saída do Tarrafal (1972).
A materialidade destes cadernos é composta por
aproximadamente 2000 fragéis folhas manuscritas onde o autor anotou a sua visão
do cárcere como observatório da nação angolana, manifestou os seus projectos
políticos e literários, evidenciou o projecto comunitário de Angola como o
veículo da união e resistência colectiva, expressou angústias e sonhos pessoais.
14-5-63
Muito movimento de tarde:
J.R. quis-me dizer qualquer coisa mas não percebi. Vai escrever. S. Coelho
afirmou-me que o pai do Z.M. tinha sido preso. Perguntei ao Augusto: hoje só
entraram 4 estudantes negros, por uma «brincadeira» (como ele disse) e saem
amanhã. Mas agora mesmo às 6 horas chegou um homem baixo, escuro, de óculos
mto escuros, e grande mala acompanhado do advogado indiano Noronha (que foi
juiz em N [ova] Lisboa). Será o pai do Z.M.? Mas veio sozinho, sem guarda. Terá
sido impedido de embarcar?
15-5-63
Ontem a
mala e o homem baixo q. veio c/Custódio Noronha, eram visita para o Sebastião
Coelho. Viu o Jac. Ele ir ter com eles, enquanto na visita.
1-9-63
O chefe que está hoje de serviço
(chefe Guerreiro) é natural de Goa, ajudante do Ten. Presa Fernandes da Sec. De
Informações (i.e. pide) e segundo me disse o Zuzé na Índia era «bufo» apenas… aqui
subiu logo a «chefe»…
4 e 5-XII[-1965]
Um juiz indiano
levanta-se e fica de pé no café, em Lisboa, enquanto outro entra e toma o seu
café. É o porteiro do teatro D. Maria II.
Mas é que o juiz é de
casta inferior ( seg. A. Jacinto que lho contou o dr. Avelar).
Papéis da Prisão, Apontamentos, Diário, Correspondência (1962-1971),
Vieira, José Luandino, CAMINHO, 2015
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JFSR 2016