DO MANDOVI AO TEJO – O
CHIADO (que em “concanim” quer dizer precisamente ladino, astuto, gozão)
Parafraseando
o título do primeiro volume - «Do Tejo ao Mandovi» - das «JORNADAS» de Thomaz
Ribeiro, ocorre-me sugerir
o percurso inverso, face à multiplicidade de influências culturais recíprocas entre
Portugal e Goa.
Vem
isto a propósito do fascinante texto-reportagem de Fernando Assis Pacheco(1), publicado na edição de Natal de 1967 da revista “EVA”(2), intitulado «CHIADO – 4 séculos de Lisboa para entendidos e
principiantes».
Nele,
o autor refere haver sido o poeta “António Ribeiro, nascido nos arredores de
Évora por meados do século XVI e morto em Lisboa (de boémia, supõe-se) no ano
de 1591”,
que deu o nome ao Chiado.
Professou
na Ordem dos Franciscanos, na sua cidade natal, até ter optado por abandonar a
vida de clausura. De Évora partiu para Lisboa, onde o seu talento com as
palavras o tornou conhecido na zona lisboeta do Chiado. Segundo as descrições,
seguiu uma vida de celibato, vestindo-se sempre com um hábito clerical.
Durante
a sua vida gozou de grande popularidade não só por ser poeta jocoso e satírico,
contemporâneo de Luís Vaz de Camões, mas também por ser um exímio improvisador
e imitador das vozes e dos gestos de figuras conhecidas dessa época.
Mas
era um homem malicioso, dado ao verso picante. Daí o Chiado, que em concanim (3) quer dizer precisamente ladino, astuto, gozão.
António
Ribeiro (Chiado) não morava no Chiado, mas na Rua Direita das Portas de Santa
Catarina, afinal futura Calçada do Chiado.
Feito estátua, com o hábito franciscano (que usou por teimosia até
morrer), em bronze, da autoria de
Costa Motta (tio),sentado
em pedra, com plinto quadrangular em pedra lioz de José Alexandre
Soares, foi colocado por iniciativa da vereação municipal, que desta forma quis
prestar homenagem a António Ribeiro, conhecido com o nome de uma das mais
conhecidas zonas de Lisboa, o Chiado, por aí morar.O poeta retratado, envergando o hábito de monge
que se julga nunca ter abandonado, aparece numa postura de animada conversa,
parecendo interpelar quem passa.
Alberto
Pimentel (4), corrobora que “foi o poeta que, por consenso espontaneo do povo ,deu o
nome de Chiado à antiga Rua da Porta de Santa Catharina ou a parte d’ella”. “A
vida azevieira do poeta Chiado, anecdotas passadas entre o povo e com o povo,
das quais resulta que elle foi um bohemio tão acabado e popular do século XVI
como Bocage no veio a ser no século XVIII,(…) acodem a reforçar a prova (…) de
haver sido elle que celebrizou a rua onde morava, e que por esse facto, sem que
alguém o decretasse, mas porque todos assentiram, ficou a alcunha do poeta
tradicionalmente ligada à rua como um padrão de celebridade local.”
E,
não obstante a Câmara Municipal mudar em 1880 o nome à rua de Chiado para
Garrett, o povo não quis saber de reviravoltas de letreiros nas esquinas:
continua a chamar-lhe Chiado.
“Quanto
à significação da palavra chiado não há dúvida. Na revista Lusitana VI, 79,
encontra-se um estudo intitulado – Dialecto indo-português de Goa -, auctor
Monsenhor Sebastião Rodolpho Dalgado (sic), no qual estudo se lê: «Chiado, astuto,
ladino». «Não é porque eu seja mais chiado, astuto do que os outros. Do k., sanks
chhadmin». Mas, sem recorrermos ao concanim, o nosso verbo «chiar» e o particípio
podem dar ideia de um sujeito de «ruidosa» reputação como bargante e dizidor.”
(1) Fernando
Assis Pacheco nasceu
em Coimbra no dia 1 de Fevereiro de 1937.Licenciado em Filologia Germânica
pela Universidade de Coimbra, foi poeta, ficcionista, jornalista e crítico. Publicou
o primeiro livro de poesia em Coimbra, em 1963: “Cuidar dos Vivos”, poesia de
intervenção política, de luta contra a guerra colonial.
Nunca conheceu outra profissão que não fosse o jornalismo.
Deixou a sua marca no “Diário de Lisboa”, na “República” e no “JL: Jornal de
Letras, Artes e Ideias”. Foi chefe de Redacção de “O Jornal”, semanário onde
durante dez anos exerceu crítica literária. Colaborou também no “Se7e” e na
revista “Visão”. Traduziu para português obras de Pablo Neruda e Gabriel Garcia
Marquez.
Morreu em Lisboa, com 58 anos, à porta da Livraria Bucholz
em 1995.
(2) Revista feminina, dirigida por Carolina Homem-Christo,
que se publicou entre as décadas de 40 a 70 do século XX.
(3) O concani é
uma língua indo-ariana derivada do sânscrito falada por toda a região do Concão: Goa, costa sul
de Maharashtra, costa de Karnataka e Kerala. O concani é agora a língua oficial do estado de Goa,
com o estatuto de lingua oficial na Constituição Indiana.
(4) Pimentel, Alberto: «O Poeta Chiado (Novas
investigações sobre a sua vida e escriptos)»
JFSR,08-12-2016