O último Phísico-Mór do Estado da Índia
EDUARDO DE FREITAS E
ALMEIDA, natural do Concelho de
Condeixa-a-Nova:
Eduardo
de Freitas e Almeida, oriundo de famílias notáveis da região de Condeixa,
nasceu na Ega, a 1 de Abril de 1811, filho de Manuel de Freitas e Almeida e de
D. Maria Faustino, proprietários, da Vila de Ega, neto paterno de Valério de
Freitas e de Mariana de Almeida, do Casal da Cruz, da referida freguesia, e
materno de Manuel Pimentel, de Arrifana, e de Maria de Jesus, do Casal da Cruz,
tendo sido baptizado no dia 23 de Maio do mesmo ano.
À
família Freitas e Almeida pertenciam vários sacerdotes, de entre os quais Luís
de Freitas e Almeida, que foi pároco da Ega. De todos os elementos desta família, o mais importante e conhecido viria a ser o
Dr. Eduardo de Freitas e Almeida.
Tinham
Solar na Ega, mesmo junto à Igreja, uma casa de ampla frontaria rasgada de
portas de sacada e janelas de cantarias bem aparelhadas, estendendo-se a quinta
até ao Casal da Cruz.
Casou
com D. Anna Máxima de Campos, natural da freguesia de S. Bartolomeu, do concelho
de Coimbra, filha de António de Campos Mallo, natural do Gorgulhão, da freguesia
de Condeixa-a-Nova - escrivão de direito em Coimbra, na época em que se lavrou a
última sentença de morte que assinou como escrivão -, e de Maria Benedita da
Costa, natural da freguesia de Currelos, concelho de Carregal do Sal, diocese
de Viseu.
Bacharel
formado em Coimbra com prémios e distinções, clínico ao serviço da Câmara de
Soure durante uma década, foi nomeado, mediante concurso, por Decreto de 14 de
Setembro de 1853, Físico-mór do Estado da Índia.
Chegado
a Goa a 2, tomou posse em 5 de Maio de 1854, que lhe foi dada pelo Cirurgião-mór
do Estado da Índia José António d’Oliveira, e viria a ser o último Físico-Mór daquele território.
“Conhecedor da sua época e imbuído de um
espírito de reflexão que imprimia aos seus comentários críticos, Freitas e
Almeida foi autor de relatórios devastadores e plenos de observações. Não
poupou as instituições locais, mas interessava-se pelo que podia aprender das práticas
e costumes indianos.
Idiossincrático, prolixo e acutilante,
esse médico coimbrão exercia comentário e crítica sobre tudo que o rodeava -
dos habitantes, “imundos por natureza”, em seus “casebres asquerosos”, à
própria Escola Médica que veio dirigir”
(1).
O
cargo foi extinto, por decreto de 24 de Dezembro de 1868, nos quadros de saúde
do ultramar onde existia (Angola, Cabo Verde, Moçambique, e Índia), e substituído
pelo de Chefe do Serviço de Saúde, fundindo-se neste as atribuições tanto de
físico-mór como de cirurgião-mór, também extinto pelo citado decreto. O Dr.
Freitas e Almeida nunca deixou de usar o título com que fora nomeado para a
Índia, embora em documentos oficiais fosse denominado chefe do serviço de saúde.
Serviu
até 9 de Maio de 1871, regressando em seguida, para aguardar a sua reforma, à
metrópole, onde também estivera, com licença por motivo de saúde, desde 10 de
Maio de 1865 até 14 de Maio de 1866. Por
decreto de 21 de Junho de 1871 foi-lhe concedida a reforma no posto de Coronel.
Na
véspera do seu regresso de Goa enviou ao Governo-Geral um extenso relatório do
seu longo exercício, documento importante para a história do Serviço de Saúde e
da Escola Médico-Cirúrgica, do qual se destaca o seguinte trecho:
“Cometeria
uma flagrante injustiça se neste momento solene, não fizesse uma honrosa menção
dos filhos do País que frequentaram as aulas por espaço de dezasseis anos, que
tive a honra de dirigir a Escola Médico-Cirúrgica, a de Farmácia e ultimamente
a aula de princípios de Física, Química e História Natural; o comportamento dos
alunos para comigo e para com os seus dignos mestres foi sempre tal, que jamais
me deram o mais pequeno desgosto; entrando o arco do hospital todos deixavam de
ser jovens, para se portarem como homens sérios, bem educados e estudiosos; - e
foi debaixo de tão felizes auspícios que concluíram seus estudos esses dignos
filhos da Escola, que hoje, espalhados pela Ásia, África Oriental e Ocidental,
e Oceânia, tanto lustre dão ao País e ao estabelecimento em que aprenderam ”(2).
Veio
residir para a Quinta da Barreira, de Condeixa, pertença da família, sendo
Provedor de Saúde e dos hospitais do concelho, ali tendo exercido clínica
durante muitos anos. Conhecida tradicionalmente por aquele nome, figura em
alguns documentos com a designação de Quinta das Ferrãs, topónimo do pequeno
aglomerado de casas que se erguem junto a ela e fazem parte do lugar da
Barreira. Os estudantes que assassinaram os Lentes da Universidade de Coimbra
no Sangardão, ali passaram a noite de 17 de Março de 1828. Existiam na quinta verdadeiras preciosidades
artísticas e etnográficas trazidas da Índia pelo Dr. Eduardo de Freitas e
Almeida.
Na
Capela do Rosário, do século XVIII, situada no Casal do mesmo nome, a norte da
estrada Condeixa-Soure, dedicada a Nossa Senhora do Rosário - que no
assento de baptismo figura como sua madrinha -, existe, oferta do Dr. Eduardo de Freitas e
Almeida, uma pia de água benta,
formada pela metade de uma concha natural e grande tamanho, que veio da Índia, igual àquela que está nas Almas do
Encarnadouro, junto ao Monumento e Museu Militar do Buçaco, e que seria a outra
metade.
Sua
esposa D. Ana Máxima de Campos e Almeida, que o acompanhou durante a sua estada
na Índia, faleceu a 15 de Março de 1883, não tendo descendência. O Dr. Eduardo
de Freitas e Almeida veio a falecer em Sebal Grande, no dia 23 de Janeiro de 1889, com
setenta e sete anos de idade.
Estão ambos sepultados no Cemitério Municipal de
Condeixa-a-Nova.
A
campa situa-se na ala direita daquele cemitério - por detrás do
monumento funerário em memória de outro ilustre condeixense, o Padre Dr. João
Antunes -, existindo gravada na lápide tumular, já muito delida, a seguinte inscrição :
AQUI JAZ
D.ANNA MAXIMA DE CAMPOS E ALMEIDA
MULHER DO PHISICO MOR REFORMADO DA INDIA
EDUARDO DE FREITAS E ALMEIDA QUE ACOMPANHOU
SEU MARIDO NAS VIAGENS E RESIDENCIA DE 16 ANNOS
EM
GOA TRACTANDO-O
SEMPRE COM TODO O
CARINHO,
AMOR E ADMIRAVEL CORAGEM
NASCEU A 31 DE MAIO DE 1818
E FALECEU EM 15 DE MARÇO DE 1883 COM 65 ANNOS
DE IDADE EM MEMORIA DE SUAS
VIRTUDES
LHE MANDOU
COLLOCAR ESTA LÁPIDE
SEU SAUDOSO MARIDO
ORAE POR ELLA
AQUI JAZEM
EDUARDO DE FREITAS E ALMEIDA
FALLECEU EM 23 DE JANEIRO DE 1889
SUA SOBRINHA
ANNA MAXIMA DE CAMPOS COSTA
(1) BASTOS, Cristiana, «O ensino da
medicina na Índia colonial portuguesa: fundação e primeiras décadas da Escola
Médico-cirúrgica de Nova Goa», in "História,
Ciências, Saúde" - Manguinhos, Rio de
Janeiro, vol. 11 (suplemento 1),p.29, 2004
(2) Boletim do Governo n.º37 de 16 de Maio de 1871, cit. GRACIAS,
J.A.Ismael, «Físicos-Móres da Índia no Século XIX», in "O Oriente Português" Revista da Commissão Archeologica da Índia
Portuguesa, 11.º ano, n.º 11-12, Novembro e Dezembro, p.278, Imprensa
Nacional, Nova Goa,1914
BIBLIOGRAFIA:
- BASTOS,
Cristiana, «O ensino da medicina na Índia colonial portuguesa: fundação e
primeiras décadas da Escola Médico-cirúrgica de Nova Goa», in "História, Ciências, Saúde" - Manguinhos, Rio de Janeiro, vol. 11
(suplemento 1): pp.11-39, 2004;
- BASTOS,
Cristiana, «Medicina, império e processos locais em Goa, século XIX», in
"Análise Social", vol.
XLII (182), 2007, pp.99-122;
- CONCEIÇÃO, Augusto dos Santos, «CONDEIXA-A-NOVA», Coimbra, 1941;
- GRACIAS, J.A.Ismael, «Físicos-Móres da Índia no Século XIX», in "O Oriente Português" Revista da Commissão
Archeologica da Índia Portuguesa, 11.º ano 1 n.º 11-12, Novembro e Dezembro, Imprensa
Nacional, Nova Goa, 1914;
- NEVES, Amílcar Santos, «Memórias do Património A Ega e seu antigo termo», Janeiro 2008;
- http://tombo.pt/ Registos paroquiais portugueses para genealogia
Agradecimentos
A Fortunato Pires da Rocha pela informação dada em primeira mão sobre a existência da sepultura do Dr. Eduardo de Freitas e Almeida no cemitério municipal de Condeixa-a-Nova.
Ao Arquiteto Nuno de Jesus Simão Gonçalves, doutorando da FCTUC, pelo registo fotográfico da campa de D. Ana Máxima de Campos e Almeida e Eduardo de Freitas e Almeida, e a colaboração disponibilizada.
Advertência: o autor não adopta o novo acordo ortográfico.
JFSR 2015